DOI: 10.1590/S0100-72032008000500006 - volume 30 - Maio 2008
Rodolpho Cruz Vieira, Ionara Diniz Evangelista Santos Barcelos, Elisa Melo Ferreira, Maria Cristina Picinato Medeiros de Araújo, Rosana Maria dos Reis, Rui Alberto Ferriani, Paula Andrea de Albuquerque Salles Navarro
Introdução
Apesar do uso cada vez mais freqüente das técnicas de reprodução assistida (TRA) para o tratamento da infertilidade relacionada à síndrome dos ovários policísticos (SOP), permanece incerto se o sucesso destes procedimentos difere entre as pacientes com e sem esta síndrome. Alguns autores relatam menores taxas de fertilização e maior incidência de abortamentos após a realização de TRA neste grupo de pacientes1,2. Questiona-se o papel do comprometimento da receptividade endometrial e da qualidade oocitária na gênese dos efeitos deletérios da SOP sobre a fertilidade feminina3,4. Postula-se que as concentrações elevadas de hormônio luteinizante (LH) na fase folicular, ao interferir na foliculogênese, poderiam resultar em oócitos de má qualidade5. É possível que outras alterações endócrinas e metabólicas associadas a esta síndrome também possam estar relacionadas com o comprometimento da qualidade oocitária, o que precisa ser elucidado. O comprometimento da qualidade oocitária, por sua vez, poderia contribuir para a redução das taxas de fertilização, observadas após a realização de TRA.
Os estudos que avaliaram de forma não invasiva a qualidade oocitária em pacientes com SOP utilizaram a análise de parâmetros como a taxa de oócitos em metáfase II6-8 e a análise da morfologia do complexo cumulus-oócito9,10. Contudo, pela fraca correlação destes parâmetros com o desenvolvimento embrionário subseqüente, e, conseqüentemente, com o prognóstico da gestação, supõe-se que estes critérios não sejam os preditores adequados da real qualidade oocitária. Entretanto, não se dispuseram de estudos que tenham avaliado a qualidade oocitária em portadoras de SOP por meio da análise de critérios morfológicos mais objetivos e, potencialmente, capazes de predizer a real capacidade desenvolvimental oocitária.
A qualidade oocitária é decorrente de fatores correlacionados às competências nuclear e citoplasmática. A competência citoplasmática é responsável pela capacidade do oócito de suportar a fertilização e o desenvolvimento embrionário inicial. A competência nuclear é caracterizada pela qualidade da cromatina e do fuso meiótico oocitário, estrutura temporária e dinâmica, constituída por microtúbulos polimerizados, importante na segregação cromossômica e na divisão celular11-13. Qualquer alteração no complemento cromossômico, que possa ser originada por uma alteração do fuso meiótico, poderia conduzir a um estado de aneuploidia por não-disjunção, junção desbalanceada ou disjunção prematura das cromátides e perda de cromossomos, comprometendo a fertilização e o subseqüente desenvolvimento embrionário14,15. Desta forma, para que o oócito maduro esteja preparado para a fertilização, é necessário que o fuso meiótico, estrutura fundamental no processo de maturação e ativação oocitárias, mantenha sua integridade e funcionalidade. Até o presente momento, não foram dispostos estudos que tenham avaliado a morfologia do fuso celular e distribuição cromossômica oocitária de pacientes com SOP, comparadas a mulheres inférteis sem esta síndrome. Ressalta-se que a avaliação da qualidade oocitária por meio do estudo morfológico da organização e distribuição estrutural do fuso meiótico, responsável pela organização do conteúdo nuclear e também pela divisão celular oocitária, é um método simples, com boa reprodutibilidade e que ajudaria a esclarecer uma das potenciais variáveis relacionadas à piora da qualidade oocitária em portadoras de SOP.
Assim, no presente estudo, avaliaram-se o fuso meiótico e a distribuição cromossômica de oócitos maturados in vitro obtidos de ciclos estimulados de mulheres inférteis com SOP, comparando com os dados obtidos de oócitos de um Grupo Controle, constituído por mulheres com fatores masculino e/ou tubário de infertilidade. Como objetivo secundário, compararam-se as taxas de maturação oocitária in vitro, nos Grupos SOP e Controle, de oócitos imaturos, obtidos em ciclos estimulados com gonadotrofinas.
Métodos
Pacientes e escolha da amostra
Foram incluídos, no presente estudo, consecutivamente, todos os casais submetidos à estimulação ovariana para a realização de injeção intracitoplasmática de espermatozóides (ICSI), junto ao Setor de Reprodução Humana do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), no período de abril de 2006 a abril de 2007, que preencheram os critérios de inclusão abaixo descritos e manifestaram o desejo de participar do projeto, mediante a assinatura do termo de consentimento pós-informado.
Foram incluídas pacientes inférteis com idade <38 anos, índice de massa corpórea (IMC) <30 kg/m2 e FSH basal <10 mUI/mL, distribuídas em dois grupos: Grupo SOP (síndrome dos ovários policísticos, diagnosticada segundo os critérios definidos pelo Consenso de Rotterdam)16, constituído de cinco pacientes com infertilidade secundária à presença exclusiva de anovulação crônica, e Grupo Controle, composto por oito pacientes com infertilidade secundária a fator masculino e/ou tubário (excluídos os casos de hidrossalpinge). Foi considerada como critério de inclusão para ambos os grupos a presença de oócitos imaturos captados e doados que, após maturação in vitro (MIV), tornaram-se maduros (atingiram a metáfase da segunda divisão meiótica, morfologicamente identificada pela presença da extrusão do primeiro corpúsculo polar).
Durante o período de inclusão, foram obtidos, respectivamente, nos Grupos SOP (14 ciclos estimulados de 12 pacientes) e Controle (30 ciclos estimulados de 23 pacientes), 21 e 29 oócitos imaturos. Após MIV, dez oócitos no Grupo SOP (provenientes de cinco pacientes) e 12 (oriundos de oito pacientes) no Grupo Controle apresentaram a extrusão do primeiro corpúsculo polar, sendo fixados, processados e analisados no presente estudo.
Foram excluídas do estudo pacientes que utilizaram medicamentos que pudessem interferir na foliculogênese ovariana nos dois meses que antecederam o início da estimulação ovariana (como antiinflamatórios não esteroidais e corticosteróides).
A estimulação ovariana seguiu o protocolo do setor, que, sucintamente, inclui a programação do início do ciclo mediante o uso de contraceptivos orais combinados, dessensibilização hipofisária com agonistas do hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH, protocolo longo), estimulação ovariana controlada com gonadotrofina (FSH recombinante) e administração de gonadotrofina coriônica humana (hCG) 34 a 36 horas antes da realização da captação oocitária.
As pacientes foram submetidas a uma injeção subcutânea diária de 0,5 mg de acetato de leuprolide (Lupron®, Abott, Brasil), iniciada dez dias antes da ultra-sonografia basal, previamente ao início da estimulação ovariana. Foram utilizadas diariamente 200 a 300 unidades de FSH recombinante (Gonal-F®, Serono, Brasil; Puregon®, Organon, Brasil), nos primeiros seis dias da estimulação ovariana. No sétimo dia da estimulação ovariana foi iniciada a monitorização ultra-sonográfica do ciclo. A partir deste momento, o controle ultra-sonográfico foi realizado diariamente ou a cada dois dias, e a dose de gonadotrofinas foi ajustada de acordo com o crescimento folicular observado. A suspensão das gonadotrofinas e do agonista do GnRH foi realizada quando pelo menos dois folículos apresentavam diâmetro médio de 18 mm, quando foi administrada 250 µg de hCG recombinante (Ovidrel®, Serono, Brasil) às 22h. Cerca de 34 a 36 horas após a administração do hCG, a paciente foi submetida à captação oocitária, sob sedação endovenosa com propofol (Diprivan®, Astra-Zeneca, Brasil) e citrato de fentanil (Fentanil®, Janssen-Cilag, Brasil). A aspiração folicular foi realizada por meio de ultra-sonografia, com transdutor transvaginal de 5 MHz acoplado à guia de punção, sob a forma de pool. O material aspirado foi analisado para a identificação e o isolamento dos complexos oócito-cumulus (COC). Após lavagem cuidadosa, os COC identificados foram colocados em placas NUNC (Multidish 4 wells Nuclon, Delta SI), preenchidas com o meio de cultura Human Tubal Fluid-HEPES (HTF, Irvine Scientific) suplementado com 10% soro sintético substituto (SSS), cobertas com óleo mineral (Sigma-Aldrich), e levados à incubadora, em mistura gasosa de CO2 a 5%, sob temperatura de 37ºC e 95% de umidade, por um período de duas a quatro horas. Após este período, foi realizado o desnudamento oocitário, utilizando-se a exposição dos COC a hialuronidase (H4272 tipo IV-S, Sigma; 80 UI/mL) por 30 segundos, seguida pela remoção mecânica das células do cumulus em meio HTF-SSS, com o auxílio de uma pipeta Stripper (Denuding Pipette, Cook; 130 µm).
Imediatamente após o desnudamento oocitário, realizou-se a análise morfológica para identificação do grau de maturidade dos oócitos, sob visualização ao microscópio de luz. Os oócitos que atingiram a metáfase II (MII, caracterizada morfologicamente pela extrusão do primeiro corpúsculo polar, CP) foram considerados maduros e incubados em gotas de 25 µL de HTF + SSS 10% por uma hora para, então, serem inseminados por meio da realização da ICSI, não sendo, portanto, analisados no presente estudo. Os oócitos que apresentaram sinais de danos mecânicos ou sinais de atresia (citoplasma irregular, escuro ou granulado) foram descartados. Os oócitos que estavam em estágio de vesícula germinativa (VG, ausência de CP extruso e presença de VG) ou de metáfase I (ausência do CP e da VG) foram considerados imaturos, e, portanto, sem utilidade clínica para a realização de ICSI, sendo submetidos à MIV, como descrito a seguir, para utilização no presente estudo.
Para MIV, os oócitos imaturos foram transferidos para placas de cultivo em microgotas de 25 µL do meio HTF + SSS 10% (meio previamente equilibrado por período >4 horas) e levados à incubadora em mistura gasosa de CO2 a 5%, sob condições ideais de temperatura (37ºC) e umidade (95%), por período previamente definido. Os oócitos no estágio de vesícula germinativa foram mantidos nestas condições de cultivo por um período de 19±1 hora e aqueles em metáfase I, por 4±0,5 hora, conforme curva de maturação previamente realizada neste serviço, utilizando os meios e condições de cultura previamente descritos. Após este período pré-estabelecido de cultivo, foi realizada novamente a análise do grau de maturação oocitária. Os oócitos que não atingiram a MII após o período descrito, assim como os que degeneraram, foram descartados. Os oócitos que atingiram o estágio de MII foram fixados para análise por microscopia de imunofluorescência para caracterização do fuso celular e distribuição cromossômica, conforme previamente descrito17,18. A taxa de MIV (definida dividindo-se o número de oócitos que atingem a MII pelo número total de oócitos imaturos submetidos à MIV) foi calculada para os dois grupos estudados.
Para a fixação e coloração dos oócitos para a microscopia de imunofluorescência, utilizaram-se reagentes adquiridos da Sigma (Sigma Chemical Co., St. Louis, MO), com exceção dos descritos individualmente a seguir. Os oócitos maturados in vitro foram colocados em um fixador adequado para propiciar a estabilidade do fuso celular, composto por um tampão estabilizador (0,1 M Pipes, 5 mM cloreto de magnésio hexahidratado e 2,5 mM etileno glicol tetra-acético ácido, EGTA, 50% de óxido de deutério, 0,01% de apronitina de pulmão bovino, 1 mM DTT, 1 µM taxol, 0,5% Triton-X, 2% formaldeído e água de MilliQ), previamente aquecido a 37ºC por 30 minutos. Os oócitos foram fixados a 37ºC por 30 minutos e lavados quatro vezes em solução tampão de lavagem (15 minutos cada) composta por 0,02% NaN3, 0,01% Triton-X, 0,2% leite desnatado, 2% soro normal de cabra, 0,1 M de glicina, 2% BSA(V) e PBS, na qual ficaram por duas horas a 37ºC. Após esse período, os oócitos foram lavados uma vez na solução tampão de lavagem para incubação com o anticorpo primário (beta tubulina de camundongo, diluição 1:1.000 em solução de PBS com 0,02% NaN3 e 0,1% BSA(V)) por quatro horas a 37ºC. Em seguida, foram lavados mais três vezes (15 minutos cada) e incubados com o anticorpo secundário (imunoglobulina de cabra anti-camundongo FITC-conjugada, Zymed Laboratories, Invitrogen Corporation, Calsbad, CA, USA, diluição 1:200 na mesma solução de diluição acima descrita) por duas horas a 37ºC. Após mais três lavagens de 15 minutos cada, os oócitos foram corados com Hoechst 33342 em meio suporte por dez minutos à temperatura ambiente, montados entre lâmina e lamínula, estocados a 4ºC e mantidos no escuro até observação em microscópio de imunofluorescência (Zeiss Axiovert 100TV), realizada dentro de uma semana do preparo da lâmina, para análise morfológica do fuso meiótico e da distribuição cromossômica.
O fuso meiótico foi considerado normal quando apresentou a forma de barril e estava disposto em posição centrípeta em relação ao corpúsculo polar. Os cromossomos apresentaram distribuição normal quando estavam reunidos na placa metafásica e bem alinhados no equador do fuso celular oocitário. Consideraram-se como telófase I os oócitos que apresentaram fuso celular alongado, perpendicular à membrana oocitária, com cromossomos distribuídos nas suas extremidades. Foi considerada ativação partenogenética a presença de extrusão do segundo corpúsculo polar.
Se os cromossomos apresentavam-se dispersos, desalinhados ou fragmentados, se a cromatina feminina encontrava-se aglomerada com microtúbulos interfásicos, se o formato do fuso não estava normal (forma de barril) ou se o mesmo apresentava ruptura, este foi considerado anormal.
A comparação entre as taxas de MIV e a proporção de anormalidades do fuso celular e distribuição cromossômica entre os dois grupos estudados foi realizada pelo teste exato de Fisher. O grau de significância (alfa) foi definido em 0,05 (bicaudal), sendo que o valor de p<0,05 foi considerado estatisticamente significativo.
Resultados
No grupo de estudo, dos 21 oócitos imaturos submetidos à MIV, dez atingiram a MII, caracterizada pela extrusão do primeiro corpúsculo polar. No Grupo Controle, 13 dos 29 oócitos imaturos submetidos a MIV atingiram a MII. As taxas de MIV foram similares entre os dois grupos avaliados (47,6 e 44,8%, respectivamente, nos Grupos SOP e Controle).
Por dificuldades técnicas durante a execução do protocolo de imunofluorescência, um oócito do Grupo Controle não pôde ser analisado. Desta forma, foram analisados dez oócitos do grupo de estudo (SOP) e 12 oócitos do Grupo Controle, que, segundo análise por microscopia óptica, estavam em MII. No grupo de estudo, dos dez oócitos avaliados, foram observados três oócitos normais em MII (30%), seis MII anormais (60%) e um em estágio de telófase I normal (10%). No Grupo Controle, dos 12 oócitos analisados, foram observados quatro MII normais (33,3%), quatro MII anormais (33,3%), um oócito em telófase I normal (8,4%) e três sofreram ativação partenogenética (25%). Não foi detectada diferença significativa na incidência de anomalias meióticas entre os dois grupos avaliados (Tabela 1).
Discussão
O presente estudo foi o primeiro na literatura que avaliou as proporções de anomalias meióticas nos oócitos maturados in vitro provenientes de ciclos estimulados de pacientes com SOP, comparando-as aos de mulheres com fatores tubário e/ou feminino de infertilidade. Os dados do presente estudo não evidenciaram diferença significativa nas freqüências de anomalias meióticas entre estes dois grupos estudados. Contudo, sugerem tendência a maior ocorrência de anomalias meióticas nos oócitos de mulheres com SOP. Se confirmados, os referidos achados poderão contribuir para a elucidação de um dos mecanismos envolvidos na sugerida piora da qualidade oocitária em portadoras desta afecção, quando submetidas à estimulação ovariana para a realização de TRA de alta complexidade.
O uso de oócitos humanos maduros em pesquisas utilizando metodologias invasivas, como a microscopia de imunofluorescência, que requer a fixação e coloração do material, inviabilizando-o para o uso clínico, deparar-se-ia com a grande dificuldade de doação e a conseqüente escassez de material. Por isso, optou-se pela utilização de oócitos imaturos, obtidos após captação ovariana em ciclos estimulados com gonadotrofinas endógenas, que, após período pré-definido de MIV, apresentaram a extrusão do primeiro corpúsculo polar. Todavia, a baixa proporção de oócitos imaturos obtidos nos ciclos estimulados (16,7 e 12,4% de oócitos imaturos, respectivamente, nos Grupos Controle e SOP), associada à necessidade de que apresentassem a extrusão do primeiro corpúsculo polar após MIV, para que fossem utilizados no presente estudo, justificou a pequena casuística obtida após um ano de inclusão de pacientes elegíveis para participarem do presente estudo.
Não se observou diferença significativa nas taxas de MIV entre os dois grupos avaliados. Utilizando meios e condições de cultivo previamente descritos, obtiveram-se taxas de MIV de 47,6 e 44,8%, respectivamente, nos Grupos SOP e Controle, abrindo perspectivas de obtenção de cerca de 50% de oócitos maduros a partir da realização de MIV de oócitos imaturos, obtidos em ciclos estimulados. Esta estratégia poderia ter utilidade prática, sobretudo nos casos em que forem captados poucos oócitos maduros e forem dispostos oócitos imaturos, que, habitualmente, não são utilizados na prática clínica, possibilitando a obtenção de um maior número de embriões passíveis de serem transferidos a fresco e/ou criopreservados. Estudos futuros serão importantes para analisar a viabilidade e a competência destes oócitos maturados in vitro, obtidos em ciclos estimulados, para suportar o desenvolvimento embrionário subseqüente.
Todavia, é importante ressaltar-se que, apesar de a visualização da extrusão do primeiro corpúsculo polar ter sido o critério morfológico utilizado no presente estudo para caracterizar a maturidade oocitária, o que é largamente empregado nas clínicas de reprodução assistida, observou-se a presença de oócitos em telófase I (oócitos que não completaram a meiose I) em ambos os grupos avaliados (10 e 8,4%, respectivamente, nos Grupos SOP e Controle). Ressaltou-se que as taxas de fertilização de oócitos em telófase I parecem ser inferiores às observadas após a inseminação de oócitos em MII e que a utilização da análise não invasiva do fuso meiótico oocitário, por meio da microscopia de polarização, poderia contribuir para a identificação dos oócitos que, apesar de apresentarem a extrusão do primeiro corpúsculo polar, ainda não completaram a meiose I19,20.
Ressaltou-se que os nossos dados evidenciaram um elevado percentual de anomalias meióticas, caracterizadas por anormalidades do fuso e/ou distribuição cromossômica oocitárias, tanto nos oócitos em MII do Grupo Controle (33,3%) como no grupo de estudo (60%). Não se dispuseram de dados na literatura avaliando a incidência de anomalias meióticas em oócitos humanos, maturados in vitro, obtidos de ciclos estimulados com gonadotrofinas. Alguns autores, realizando análise citogenética de oócitos em MII, não fertilizados após a realização de fertilização in vitro convencional, detectaram anomalias cromossômicas em 24,6% dos oócitos de portadoras de SOP21. Porém, tanto o material como as metodologias empregadas foram distintas das utilizadas no presente estudo, impossibilitando a adequada comparação dos dados obtidos. Encontrou-se um único estudo publicado avaliando a incidência de anomalias do fuso meiótico e configuração cromossômica em oócitos humanos maturados in vitro, obtidos em ciclos não estimulados com gonadotrofinas, evidenciando, respectivamente, 43,7 e 33,3% de anormalidades22. Todavia, os oócitos maturados in vitro analisados foram obtidos em ciclos não estimulados com gonadotrofinas. Como se postula um potencial papel deletério da estimulação ovariana com gonadotrofinas na dinâmica do citoesqueleto e competência oocitária23, é possível que a incidência de anomalias meióticas seja maior nos oócitos maturados in vitro, obtidos de ciclos estimulados, do que naqueles não estimulados, o que precisa ser mais bem avaliado por meio de estudos utilizando metodologia pertinente. Este mesmo estudo22, comparando a incidência de anormalidades meióticas entre os oócitos maturados in vitro, oriundos de ciclos não estimulados, com os maturados in vivo, obtidos em ciclos estimulados, encontrou uma proporção significativamente maior de anomalias meióticas nos oócitos maturados in vitro, sugerindo que a MIV tenha um efeito deletério sobre a organização do fuso celular e o alinhamento cromossômico oocitário. Desta forma, é provável que a incidência de anomalias meióticas obtidas no presente estudo (60%), no qual se analisaram oócitos maturados in vitro, obtidos de ciclos estimulados com gonadotrofinas, seja superior tanto à observada nos oócitos maturados in vivo, utilizados rotineiramente nas TRA, como à evidenciada em oócitos maturados in vitro, porém provenientes de ciclos não estimulados22. Todavia, como se compararam oócitos de pacientes com SOP com os de pacientes com fatores tubário e/ou masculino de infertilidade (Grupo Controle), ambos maturados in vitro, e encontrou-se uma tendência a maior incidência de anomalias meióticas nas portadoras de SOP, estes achados sugerem um possível comprometimento da qualidade oocitária ralacionada à SOP, e não apenas à MIV, o que deverá ser mais bem analisado, aumentando-se a presente casuística.
Os dados preliminares do presente estudo não evidenciaram diferença significativa nas taxas de MIV e nas freqüências de anomalias meióticas entre os oócitos maturados in vitro provenientes de ciclos estimulados de pacientes com SOP quando comparados aos de mulheres com fatores tubário e/ou masculino de infertilidade. Contudo, sugerem uma tendência a maior ocorrência de anomalias meióticas, caracterizadas por anormalidades do fuso e/ou distribuição cromossômica oocitárias, nos oócitos de pacientes com SOP, o que poderá ser elucidado ampliando-se a presente casuística. Se forem confirmados, estes achados podem apontar um possível papel destas anormalidades, relacionadas à maturação nuclear oocitária, nas controversas menores taxas de fertilização observadas em pacientes com SOP submetidas às TRA. Se não confirmados, sugerirão o possível envolvimento de fatores relacionados à maturação citoplasmática, e não nuclear, na etiopatogênese da piora da qualidade oocitária em portadoras de SOP.
Agradecimentos
Agradecemos a contribuição das funcionárias do laboratório de reprodução assistida: Maria Aparecida Carneiro Vasconcelos, Marilda Yamada Dantas, Roberta Cristina Giorgenon, Maria Auxiliadora Pádua Rosa e Sandra Viana, pelo apoio técnico ao trabalho.
Recebido: 14/2/08
Aceito com modificações: 15/5/08
Laboratório de Ginecologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Setor de Reprodução Humana, Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo USP Ribeirão Preto (SP), Brasil.