DOI: 10.1590/S0100-72032008000400006 - volume 30 - Abril 2008
Márcio Fragoso Vieira, Luciano Marcondes Machado Nardozza, Edward Araujo Júnior, Hélio Antonio Guimarães Filho, Antonio Fernandes Moron
Introdução
Anormalidades do crescimento fetal são importantes causas de aumento da morbidade e mortalidade perinatais. Resultados perinatais desfavoráveis podem resultar de partos de fetos macrossômicos (distocia de ombro, tocotraumatismos) ou de fetos com restrição do crescimento fetal (asfixia)1,2. Por estes motivos, a estimativa do peso fetal é uma das mais importantes tarefas no acompanhamento pré-natal.
Na tentativa de predizer com acurácia o peso fetal, diferentes parâmetros obtidos por meio da ultra-sonografia bidimensional (USG2D) têm sido propostos3-5. Dentre estes parâmetros, as medidas do diâmetro biparietal (DBP), circunferência abdominal (CA) e comprimento do fêmur (CF) são os mais utilizados. Apesar do uso difundido da USG2D na estimativa do peso fe tal, alguns modelos de predição geram erros de até 15% em relação ao peso real6. Esta percentagem de erro pode não se mostrar adequada na avaliação de fetos de risco para distúrbios do crescimento, pois muitas fórmulas tendem a superestimar pesos em fetos pequenos e subestimá-los em fetos macrossômicos7.
O volume de membros tem sido associado com o crescimento e a nutrição fetal, sendo que, inicialmente, o volume da coxa era calculado pela USG2D, assumindo que esta apresentava a forma de um cilindro8. O surgimento da ultra-sonografia tridimensional (USG3D) possibilitou uma aferição volumétrica mais adequada, principalmente de objetos com formatos irregulares9.
Nos últimos dez anos, diversos estudos tentaram utilizar a USG3D na predição do peso ao nascimento por meio da medida volumétrica de membros fetais, como o braço e a coxa10-14. Em todos estes estudos, a predição de peso baseada na medida do volume destes membros pela USG3D mostrou-se superior às fórmulas tradicionais baseadas na USG2D4-6.
O objetivo deste estudo preliminar foi avaliar a eficácia da medida do volume do braço fetal aferido pela USG3D na predição do peso ao nascimento, utilizando uma amostra da população brasileira.
Métodos
Realizou-se um estudo prospectivo transversal envolvendo 30 gestantes atendidas no Centro Obstétrico do Hospital São Paulo da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP -EPM) no período de abril a setembro de 2007. Todas as gestantes foram esclarecidas a respeito do estudo; as que optaram pela participação voluntária assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), sendo este estudo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unifesp-EPM (nº. 258/07).
Os critérios de inclusão foram os seguintes: gestações únicas com fetos vivos e ausência de anomalias estruturais ou cromossomopatias. Os critérios de exclusão foram: natimortos, recém-nascidos com anomalias estruturais ou cromossomopatias, parto realizado em outra instituição que não o Hospital São Paulo e período superior a 48 horas entre a realização do exame ultra-sonográfico e o nascimento. Todas as gestantes foram selecionadas de forma aleatória, incluindo as seguintes condições: trabalho de parto; indução de trabalho de parto; e indicação de cesárea eletiva por iteratividade, doença materna crônica (hipertensão arterial crônica, diabetes mellitus, colagenoses, dentre outras) ou doença gestacional (pré-eclâmpsia, restrição do crescimento intra-uterino (RCIU), dentre outras).
Das 30 gestantes selecionadas de forma aleatória, 25 preencheram os critérios de inclusão e exclusão, sendo que 15 não apresentavam comorbidades ou intercorrências obstétricas. Em 10 gestantes, encontraram-se as seguintes comorbidades ou intercorrências obstétricas: diabetes mellitus gestacional (dois casos), hipertensão arterial crônica (dois casos), hepatite tipo C (dois casos), amniorrexe prematura (um caso), aloimunização ao fator Rh (um caso), talassemia (um caso) e transplantada renal (um caso). Cinco foram excluídas da análise estatística em decorrência de seus partos terem ocorrido após 48 horas da realização do exame ultra-sonográfico. A descrição da amostra com suas médias e respectivos desvios padrão encontra-se exposta na Tabela 1.
Todos os exames de ultra-sonografia foram realizados no Setor de Ultra-sonografia Tridimensional do Departamento de Obstetrícia da Unifesp-EPM, sendo todos de responsabilidade de um único examinador. Todas as gestantes foram avaliadas uma única vez. Todos os exames foram realizados em um aparelho da marca SA-8000Live (Medison, Seoul, Korea) equipado com um transdutor convexo volumétrico multifreqüencial (4,0 a 7,0 MHz).
Inicialmente, realizou-se uma avaliação no modo bidimensional, de forma a obter a medida dos parâmetros biométricos fetais (DBP, circunferência craniana (CC), CA, CF e comprimento do úmero). Após a aquisição destes parâmetros, foi realizada uma estimativa de peso fetal (EPF) segundo as tabelas de Shepard et al.4 [Log10 (EPF)=-1,7492 + 0,166 (DBP) + 0,046 (CA) - 0,002646 (CA x DBP)] e Hadlock et al.5 [Log10 (EPF)=1,3596 - 0,00386 (CA x CF) + 0,0064 (CC) + 0,00061 (DBP x CA) + 0,0424 (CA) + 0,174 (CF)]. Avaliou-se ainda o volume de líquido amniótico, segundo a técnica dos quatro quadrantes15, e o grau de maturação placentária, segundo a classificação de Grannum et al.16.
Para a aquisição do volume de braço fetal, inicialmente se realizou uma varredura bidimensional em tempo real, de forma a se obter o plano padrão de medida do úmero. Para a aquisição do volume, solicitou-se à paciente apnéia por alguns segundos e aguardou-se repouso fetal absoluto. A janela (BOX) tridimensional foi colocada de forma a se englobar todo o braço fetal (ROI, região de interesse), com um ângulo de varredura de 60º e velocidade de escaneamento normal. Após a aquisição do volume, a imagem do braço fetal foi apresentada na forma de três planos ortogonais (axial, sagital e coronal). Para o cálculo do volume do braço fetal, utilizou-se o método tradicional ou "fatiamento"17. O plano axial foi arbitrariamente selecionado como referencial. No plano sagital um cursor se desloca ao longo de toda a extensão da diáfise do úmero, de proximal para distal. Após o deslocamento do cursor em 5,0 mm, novo traçado da circunferência do braço era realizado. Este procedimento foi repetido sucessivamente, iniciando-se na extremidade proximal do úmero até a distal. Ao se delimitar a última área, o aparelho fornece automaticamente o volume total do membro (Figura 1).
Imediatamente após o nascimento, todos os recém-nascidos foram pesados em balanças de precisão. Os dados referentes aos recém-nascidos foram obtidos no berçário do Serviço de Neonatologia do Hospital São Paulo.
Todos os dados foram dispostos em planilha do programa Excel (Microsoft, EUA) e avaliados por intermédio do programa estatístico Statistical Package for Social Sciences, do Windows, versão 12.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). Para se determinar a melhor equação de predição de peso baseada no volume do braço fetal, foram realizadas regressões lineares, sendo que o volume do braço foi colocado como variável independente e o peso real, como variável dependente. Após a determinação da estimativa do peso ao nascimento pela equação obtida e daquela encontrada pelas equações bidimensionais4,5, compararam-se os pesos estimados com o peso real por meio do teste t de Student pareado. Foram calculados o erro médio (peso estimado - peso real), erro médio absoluto (|peso estimado - peso real |), erro percentual médio [(peso estimado - peso real) x 100/peso real] e erro percentual médio absoluto [|(peso estimado - peso real) x 100/peso real |]. Em todas as análises estatísticas, utilizou-se nível de significância de 0,05.
Resultados
Cinco pacientes foram excluídas da análise estatística em decorrência de seus partos terem ocorrido após 48 horas da realização do exame ultra-sonográfico. A descrição da amostra com suas médias e respectivos desvios padrão encontra-se exposta na Tabela 1.
O volume do braço fetal aferido pela USG3D mostrou uma forte correlação com o peso real ao nascimento, com alto coeficiente de correlação de Pearson (r=0,83). Por regressão linear simples, obteve-se a melhor equação de predição do peso ao nascimento: EPF (g)=681,6 + 43,23 x (volume do braço) (cm3). A Figura 2 mostra o gráfico de dispersão do volume do braço fetal com o peso real ao nascimento.
O tempo médio de aferição do volume do braço fetal pela USG3D, utilizando o método multiplanar com intervalos de 5,0 mm, foi de quatro a cinco minutos.
Aplicou-se o teste t de Student pareado para comparar o erro médio, o erro percentual médio, o erro médio absoluto e o erro percentual médio absoluto do peso predito pelo volume do braço fetal e pelas fórmulas bidimensionais4,5 com o peso real ao nascimento. O erro médio (0 g), o erro médio absoluto (196,6 g) e o erro percentual médio absoluto (6,5%) do volume do braço fetal foram menores que a fórmula de Shepard et al.4, mas não mostraram diferença estatisticamente significativa (p>0,05). Em relação à fórmula de Hadlock et al.5, apenas o erro médio foi menor, mas não estatisticamente significativo (p>0,05), conforme a Tabela 2.
Discussão
A quantificação exata das partes moles pode melhorar a capacidade de distinção entre fetos com RCIU daqueles fetos pequenos, mas com crescimento adequado. Inclusive, propõe-se ser a espessura das partes moles do braço o mais acurado preditor de crescimento excessivo do feto quando comparado com outros parâmetros ultra-sonográficos18. Entretanto, o tecido mole é pobremente caracterizado à USG2D19.
Com o advento da USG3D em meados da década de 1990, tornou-se possível a mensuração mais acurada de objetos com formatos irregulares em relação à USG2D9. Neste contexto, a USG3D pode melhorar a predição do peso ao nascimento, por permitir o uso de medidas do volume fetal, como índices de massa tecidual mole13. Recentemente, comprovou-se que as frações de volume da coxa e do braço fetais aferidas pela USG3D podem acuradamente predizer o crescimento normal destes membros no terceiro trimestre de gestação, podendo a fração de volume destes membros permitir a detecção precoce e melhorar a monitorização de anormalidades do tecido mole de fetos com risco para RCIU20,21.
Diversos estudos tentaram predizer o peso ao nascimento por meio da USG3D usando o volume da coxa11,13, do braço10 ou de ambos12,14. Grupo da Universidade de Taiwan realizou estudo pioneiro de predição de peso ao nascimento pelo volume do braço fetal aferido pela USG3D. Avaliaram-se 105 gestantes chinesas, sendo que os partos ocorreram em até 48 horas após as avaliações ultra-sonográficas. Para a predição de peso pela USG2D, utilizaram-se as fórmulas de Hsieh et al.22, Warsof et al.3 e Hadlock et al.6, enquanto que para a USG3D, utilizou-se uma seqüência de múltiplos planos com intervalos de 3,0 mm. Observou-se que a nova equação de predição de peso (peso ao nascimento=1088,60 + 36,024 x volume do braço) foi mais acurada que as fórmulas bidimensionais, tanto no erro, quanto no erro percentual e erro absoluto10. O grande inconveniente da técnica foi o tempo necessário para a aferição volumétrica, de 10 a 15 minutos. De forma a se tentar contornar esse inconveniente, outro grupo de autores descreveu uma técnica para a aferição do volume da coxa baseada na delimitação de apenas três planos (extremidade proximal, ponto médio e extremidade distal). Avaliaram-se 84 gestantes coreanas e observou-se que a equação derivada desta nova técnica (peso ao nascimento=165,32 + 28,78 x volume da coxa) teve a menor média e desvio padrão de resíduos em relação às fórmulas de Shepard et al.4 e Hadlock et al.5. O tempo médio de aferição do volume da coxa por esta técnica foi de dois minutos13.
Recentemente, o mesmo grupo da Universidade de Taiwan comprovou serem os volumes do braço e da coxa fetais aferidos pela USG3D bons preditores de RCIU23,24. Utilizando o percentil 10 do volume do braço fetal como ponto de corte para determinação de RCIU, obteve-se uma sensibilidade de 97,5%, especificidade de 92,8%, valor preditivo positivo de 54,9%, valor preditivo negativo de 99,8% e acurácia de 93,1%. Além do mais, o volume do braço se mostrou um melhor preditor de RCIU do que parâmetros biométricos fetais (DBP, diâmetro occipitofrontal, CC, CA, CF e EPF)24. Em estudo preliminar, comprovou-se que tanto o volume da coxa quanto do braço fetal aferidos pela USG3D foram fortemente correlacionados com o peso ao nascimento, tanto de fetos pequenos quanto grandes, para a idade gestacional25.
No início desta década, foi proposta uma nova técnica para aferição volumétrica chamada de fração de volume de membro, que consiste na determinação do volume de 50% do comprimento da diáfise do fêmur (volume da coxa) e do úmero (volume do braço). Foram avaliadas cem gestantes americanas e observou-se uma forte correlação do volume da coxa (r=0,86) e do braço (r=0,83) com o peso ao nascimento. A fração de volume do braço [peso ao nascimento=76,837 x (fração de volume do braço) + 599,102] teve uma acurácia semelhante à fórmula de Hadlock et al.6 na predição do peso ao nascimento. Entretanto, a equação que utilizou a fração de volume da coxa e a CA [peso ao nascimento=20,953 x (fração de volume da coxa) + 113,571 x (CA) - 2375,068] teve uma acurácia maior14.
Em nosso estudo, utilizou-se a mesma técnica descrita no estudo pioneiro de predição do peso ao nascimento pelo volume do braço fetal realizado na Universidade de Taiwan10, com exceção do fato de utilizarmos um intervalo de 5,0 mm entre os planos seqüenciais. Esta técnica apresentou como vantagem, em relação àquela, um menor tempo para a aferição volumétrica. A fração de volume do braço não pôde ser reproduzida, pois ela é determinada por um software específico que foi construído especificamente para aquele estudo14.
Em nosso estudo, a medida do volume do braço se mostrou factível em gestações do final do terceiro trimestre, sendo aferida em todos os casos estudados. Observou-se uma forte correlação entre o volume do braço e o peso ao nascimento (r=0,83), resultado este semelhante aos obtidos em um estudo na população chinesa (r=0,92)10 e americana (r=0,83)14. A fórmula determinada no presente estudo [peso ao nascimento=681,6 + 43,23 x (volume do braço)] mostrou resultados semelhantes àqueles obtidos pelas fórmulas de Shepard et al.4 e Hadlock et al.5. Os resultados do presente estudo divergem dos achados obtidos no estudo da população chinesa, no qual se observou maior acurácia do volume do braço fetal, em relação às fórmulas bidimensionais, na predição do peso ao nascimento10. Deve-se ressaltar que, no estudo citado, os autores utilizaram uma população etnicamente homogênea; além do mais, a comparação do volume do braço fetal foi realizada com duas fórmulas não utilizadas na população brasileira4,22. No caso do estudo americano, utilizou-se uma amostra populacional mais heterogênea (negras, brancas e asiáticas), observando-se uma acurácia semelhante entre a fração de volume do braço e a fórmula de Hadlock et al.6. Nesse estudo, o erro percentual médio da fração de volume do braço fetal foi de 0,1±9,6, semelhante ao nosso estudo (0,65±8,0), que utilizou toda a extensão da diáfise do úmero14.
Deve-se referir que este é um estudo preliminar, com uma casuística muito pequena - ainda mais se levando em conta que a população brasileira é bastante heterogênea. Entretanto, deve-se destacar que este é o primeiro estudo em nosso meio que tentou avaliar a predição do peso ao nascimento pelo volume do braço fetal aferido pela USG3D. Somente estudos com maiores casuísticas e, se possível, multicêntricos poderão confirmar se o volume do braço é um método mais acurado que as fórmulas bidimensionais na predição do peso ao nascimento em nosso meio.
Agradecimentos
Os autores agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), pelo apoio financeiro, e à senhora Ângela Tavares Paes, pela análise estatística deste estudo.
Recebido: 14/2/2007
Aceito com modificações: 13/2/2008
Trabalho realizado no Setor de Ultra-sonografia Tridimensional da Disciplina de Medicina Fetal do Departamento de Obstetrícia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP), Brasil.