DOI: 10.1590/S0100-72032009000900008 - volume 31 - Setembro 2009
Agnaldo Lopes Silva Filho
Correspondência
RESUMO
O carcinoma invasor do colo uterino representa um grande problema de Saúde Pública, especialmente nos países em desenvolvimento. O seu tratamento, baseado na histerectomia radical, radioterapia e/ou quimioterapia, apresenta uma morbidade considerável. Os marcadores prognósticos devem ser considerados no planejamento terapêutico, de forma a otimizar os resultados, diminuir as complicações e aumentar a sobrevida das pacientes. São considerados marcadores prognósticos o estadiamento, o tamanho tumoral, o tipo histológico, o grau de diferenciação, a invasão linfovascular, a profundidade da invasão estromal, a presença de metástases linfonodais e o acometimento de margens cirúrgicas. Esse estudo visou fazer uma revisão da literatura em relação à utilização desses marcadores no planejamento terapêutico das mulheres com carcinoma invasor do colo uterino. O tratamento baseado nesses marcadores pode apresentar melhores resultados, com menor taxa de complicações e melhora na sobrevida das pacientes.
Palavras-chave: Neoplasias do colo do útero/diagnóstico, Neoplasias do colo do útero/terapia, Prognóstico, Estadiamento de neoplasias, Metástase linfática, Invasividade neoplásica
ABSTRACT
The uterine cervix invasive carcinoma represents a major public health problem, mainly in the developing countries. Its treatment, based on radical hysterectomy, radiotherapy and/or chemotherapy presents a considerable morbidity. Prognostic markers should be taken into consideration in the therapeutic planning, so that the results would be optimized, complications reduced, and patients' survival prolonged. Accepted prognostic markers are: stage, tumoral size, histological type, degree of differentiation, lymphovascular invasion, depth of the stromal invasion, presence of lymph nodal metastases, and surgical margins involvement. This study aims at making a literature review concerning the use of theses markers in the therapeutic planning of women with uterine cervix invasive carcinoma. The treatment based on these markers may present better results, with lower ratio of complications and an improvement in the patients' survival.
Keywords: Uterine cervical neoplasms/diagnosis, Uterine cervical neoplasms/therapy, Prognosis, Neoplasm staging, Lymphatic metastasis, Neoplasm invasiveness
Introdução
O carcinoma invasor do colo uterino representa um grande problema de Saúde Pública, com cerca de 490.000 novos casos e 270.000 mortes ao ano no mundo1. A maioria dos casos ocorre nos países em desenvolvimento, devido à precariedade dos programas de rastreamento1. No Brasil, estimou-se a ocorrência de 18.680 casos em 2008, com um risco estimado de 19 casos a cada 100.000 mulheres2. Representa a terceira neoplasia maligna mais comum entre as mulheres e a quarta causa de morte nesse grupo2.
O estadiamento tumoral, conforme preconizado pela Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO), representa o principal determinante para a escolha do tratamento no carcinoma invasor de colo uterino3. A sobrevida em cinco anos de pacientes com câncer de colo uterino estádio IB varia de 65 a 95%, o que motivou a pesquisa de fatores prognósticos que justificassem essa variação4. Constituem fatores prognósticos no carcinoma invasor do colo uterino o tamanho tumoral, o tipo histológico, o grau de diferenciação, a invasão linfovascular (ILV), a profundidade da invasão estromal, a presença de metástases linfonodais e o acometimento de margens cirúrgicas5.
Estadiamento
O estadiamento representa o fator prognóstico mais importante no carcinoma invasor do colo uterino, refletindo sua disseminação local e à distância6. A taxa de sobrevida em cinco anos varia entre 97,5%, nos tumores estádio IA1, e 9,3%, no estádio IVB6. Constitui o maior determinante para o planejamento terapêutico em mulheres com carcinoma invasor do colo uterino (Figuras 1 e 2). No entanto, a presença de outros fatores de risco deve ser considerada, principalmente no emprego de terapia adjuvante3.
No estádio IA1, a ocorrência de acometimento linfonodal é de cerca de 1%, tornando desnecessária a linfadenectomia7. A histerectomia extrafascial constitui o tratamento padrão para mulheres com prole definida3. Para mulheres que optam pela preservação da fertilidade, a conização com bisturi ou laser pode representar uma opção terapêutica7 (Figura 1).
No estádio IA2, a presença ou ausência de ILV deve ser considerada para definição terapêutica3. A traquelectomia radical com linfadenectomia pélvica pode ser levada em conta para pacientes que desejam a preservação da fertilidade3. Para aquelas sem desejo de manutenção do futuro reprodutivo, o tratamento cirúrgico inclui desde a histerectomia extrafascial até a histerectomia radical e a linfadenectomia (LN) pélvica3 (Figura 1). A radioterapia é reservada para pacientes que não apresentam condições cirúrgicas8. Nesses casos, a adição de um agente quimiossensibilizante (mais comumente, a cisplatina) melhora em 10% a sobrevida em cinco anos nestas pacientes9.
Estádios IB e IIA
Nos estádios IB1 e IIA, a maior parte dos estudos indica que o tratamento radioterápico (radioterapia externa e braquiterapia) e o tratamento cirúrgico (histerectomia radical e linfadenectomia pélvica) têm resultados semelhantes quanto à sobrevida6. A escolha entre essas formas de tratamento deve se basear na idade, nas condições clínicas da paciente e na presença de fatores prognósticos, porque a combinação de tratamentos aumenta muito a morbidade terapêutica10 (Figura 2). O tratamento cirúrgico apresenta como vantagem a identificação e o tratamento de doença extrauterina não suspeitada e o exame histopatológico da peça cirúrgica, importantes no estabelecimento do prognóstico e na indicação de terapia adjuvante, além da possibilidade de preservação da função ovariana e sexual10. A radioterapia tem como principal benefício a fácil administração em pacientes com risco cirúrgico aumentado10.
Há um acréscimo de 10% na sobrevida em cinco anos com a quimioirradiação como tratamento exclusivo em relação ao tratamento radioterápico isolado9.
Estádios IIB a IV
No caso de tumores estádios IIB e IVA é indicada a radioterapia externa e a braquiterapia3 (Figura 2). Quando comparada à radioterapia isolada, a quimioirradiação está associada ao aumento na sobrevida em cinco anos de 7% no estádio IIB e de 3% nos estádios III a IVA9. A exenteração pélvica pode ser uma opção para pacientes com tumores no estádio IVA sem envolvimento parametrial e vaginal que apresentem condições clínicas para a intervenção3. Pacientes com doença metastática (IVB) devem receber tratamento sintomático ou quimioterapia e/ou radioterapia como proposta paliativa3 (Figura 2).
Tamanho tumoral
O diâmetro tumoral tem sido considerado um fator prognóstico relevante para mulheres nos estádios I e II10. A sobrevida é de 95% para tumores menores que 2 cm; 79% para tumores entre 2 e 3 cm; e 47% quando maiores que 4 cm11. A forma do crescimento tumoral é determinante da sobrevida, sendo que os tumores barrel-shape são associados a pior prognóstico12.
As opções terapêuticas das mulheres com tumores com diâmetro superior a 4 cm incluem histerectomia radical associada à LN pélvica, quimioirradiação ou quimioirradiação associada à histerectomia adjuvante8 (Figura 2). As pacientes submetidas à cirurgia como tratamento primário se beneficiam de terapia adjuvante na presença de ILV ou invasão estromal maior que um terço13. Estudos sugerem que a quimiorradiação seja superior à radioterapia nesse grupo de pacientes9.
Tipo histológico
Os tumores não epidermoides apresentam pior prognóstico em comparação ao carcinoma de células escamosas (CCE)5,6. A taxa de sobrevida em cinco anos de pacientes nos estádios IB e IIA tratadas cirurgicamente é de 72,2% para os tumores adenoescamosos ou adenocarcinoma, e de 81,2% para os tumores escamosos14.
Acredita-se que essa diferença possa ser resultado de maior resistência à radioterapia, propensão ao acometimento intraperitoneal e maior incidência de metástase linfonodal e à distância5. A ocorrência de metástase ovariana é maior nos adenocarcinomas e está associada ao tamanho do tumor, enquanto nos tumores escamosos, a metástase ovariana se associa ao estádio da doença5.
Pacientes jovens com CCE são candidatas à preservação dos ovários3. Nos adenocarcinomas a ooforectomia deve ser realizada, pelo risco de até 5,3% para metástase ovariana15.
O tipo histológico não define o planejamento terapêutico isoladamente3. No entanto, naquelas mulheres submetidas à radioterapia adjuvante pela presença de outros fatores de risco, a redução das taxas de recorrência local foi mais acentuada nos casos de tumores adenoescamosos e nos adenocarcinomas em comparação ao CCE13.
Grau de diferenciação
O grau de diferenciação como fator prognóstico independente é controverso, principalmente pela falta de padronização e alta subjetividade evidenciadas fracas pela concordância intra e interobservador5,16. Enquanto alguns autores correlacionam o grau de diferenciação histológica com o pior prognóstico, outros não encontram diferença na sobrevida livre de doença após ajuste com outros fatores, como metástase linfonodal e tamanho tumoral17. Sua classificação deve ser estimulada; entretanto, não deve alterar o tratamento3.
Invasão linfovascular
O diagnóstico da presença de ILV é menos sujeito a falhas, apresentando uma concordância intra e interobservador muito boa16. A presença de ILV está associada à metástase nos linfonodos pélvicos, ao acometimento parametrial e vaginal18.
No estádio IA2, a presença de ILV indica a realização de histerectomia radical e linfadenectomia pélvica. Aquelas sem ILV são candidatas à histerectomia extra-fascial3 (Figura 1). Nos carcinomas invasores do colo uterino, a presença de ILV associada ao diâmetro tumoral maior que 4 cm e/ou invasão estromal maior que um terço indica radioterapia adjuvante com melhora nas taxas de recorrência, tempo livre de doença e sobrevida13.
Profundidade da invasão estromal
A profundidade da invasão estromal pode ser definida em termos absolutos por milímetros ou por terços de invasão uterina5. Esse achado histopatológico constitui um fator prognóstico independente, associado à sobrevida livre de doença e à presença de metástase linfonodal5.
Em pacientes nos estádios IB e IIA submetidas a tratamento cirúrgico, a presença de invasão estromal maior que um terço associada à ILV e/ou tumor maior que 4 cm indica a radioterapia adjuvante13.
Metástase linfonodal
O acometimento linfonodal é um dos fatores histopatológicos mais importantes no prognóstico do carcinoma invasor do colo uterino5. Pacientes nos estádios IB e IIA apresentam sobrevida em cinco anos de 95% na ausência de metástase linfonodal e de 78% na presença deste fator19. O número de linfonodos e os segmentos acometidos também são de grande importância5. A taxa de sobrevida em cinco anos é de 85% e 50% para as pacientes que apresentaram apenas um e dois ou mais linfonodos comprometidos, respectivamente19. O acometimento de linfonodos para-aórticos e ilíacos foi associado à sobrevida de 20%, enquanto o comprometimento de linfonodos abaixo desse nível foi associado à sobrevida de 84% em cinco anos19.
A histerectomia radical nos casos com acometimento linfonodal diagnosticado durante a intervenção cirúrgica é controversa20. No entanto, a associação entre a histerectomia radical e a radioterapia adjuvante aumenta a morbidade e não modifica a sobrevida em relação aos casos em que o procedimento é abortado3,20.
Nos casos de diagnóstico histopatológico de metástase linfonodal pélvica, a quimioirradiação adjuvante está associada à diminuição nas taxas de recidiva local e ao aumento na sobrevida em cinco anos21. Caso haja acometimento de linfonodos para-aórticos, é indicada a radioterapia de campo estendido associada à cisplatina8 (Figura 3).
Margens cirúrgicas
Mulheres submetidas à histerectomia radical com acometimento parametrial e/ou margens vaginais comprometidas ou inferiores a 0,5 cm apresentam maior taxa de recorrência tumoral e menor tempo livre de doença e sobrevida em cinco anos22,23.
Pacientes com diagnóstico de carcinoma microinvasor que apresentam as margens do cone comprometidas por lesão microinvasora ou intraepitelial de alto grau apresentam risco aumentado para neoplasia residual24. Nesses casos, é indicada a realização de nova conização para definição da gravidade da lesão e planejamento terapêutico24 (Figura 1).
Para as pacientes com carcinoma invasor do colo uterino submetidas à histerectomia radical com diagnóstico de acometimento parametrial e/ou margens cirúrgicas comprometidas ou exíguas (menor que 0,5 cm), é indicada a quimioirradiação21,25.
Marcadores moleculares
As células neoplásicas demonstram algumas características biológicas, como evasão da apoptose, resistência aos fatores inibidores de crescimento, emissão de seus próprios sinais mitogênicos, perda da diferenciação, aquisição de neovascularização e, em casos de tumores mais avançados, capacidade de invasão e metastatização26. A identificação de novos marcadores tumorais pode ser valiosa no seguimento das pacientes, para a definição daquelas que se beneficiariam de terapia adjuvante ou de um tratamento primário mais agressivo26.
O estudo de marcadores moleculares no carcinoma invasor do colo uterino é promissor, mas, até o momento, não apresenta aplicação na prática clínica. A expressão das proteínas p53, KI-67 e CD31 e da atividade da telomerase no tumor e nas margens vaginais de pacientes submetidas a tratamento cirúrgico para neoplasia invasora do colo uterino parecem se associar a outros fatores prognósticos27-29. O papel das micrometástases parametriais, identificadas por imunohistoquímica para citoqueratinas, em pacientes com paramétrios livres ao exame histopatológico, necessita de melhor definição30.
Recebido 30/7/09
Aceito com modificações 17/8/09