DOI: 10.1590/S0100-72032010000700008 - volume 32 - Julho 2010
Manoel Martins Neto, Francisco Herlânio Costa Carvalho, Rosa Maria Salani Mota, Carlos Augusto Alencar Júnior
Introdução
Um dos principais objetivos da avaliação antenatal é identificar fatores de risco para hipoxia no produto conceptual para aplicar intervenções clínicas que possam reduzir a mortalidade e as morbidades perinatais. O uso rotineiro de testes de rastreio deve ser baseado em efetividade clínica comprovada, sem submeter um grande número de gestantes normais a intervenções inapropriadas e subsequentes riscos iatrogênicos1.
Existe um relativo consenso de que, frente à hipoxia, o feto responde de forma ordenada e sistemática, redistribuindo seu fluxo sanguíneo para órgãos nobres. Esse fenômeno de defesa é considerado fisiológico, porém autolimitado. Ultrapassado esse limite, ocorre a deterioração da oxigenação fetal mesmo nos órgãos preferenciais e aumento progressivo dos índices de mortalidade e morbidade fetal e neonatal2.
A aplicação da doplervelocimetria no estudo da circulação útero-placentária, em particular da artéria umbilical, em gestações de alto risco tem sido associado a uma tendência de redução de óbitos perinatais1,3. Esse exame não-invasivo permite verificar, nos casos de insuficiência placentária, o aumento da resistência ao fluxo sanguíneo na placenta, evidenciado pela redução da velocidade diastólica nas artérias umbilicais. Nos casos graves, observa-se ausência (diástole zero) ou fluxo reverso (diástole reversa) durante a diástole, o que representa comprometimento extremo da circulação feto-placentária. Nesse grupo, concentra-se um elevado número de mortes perinatais, com os fetos sobreviventes apresentando complicações atribuídas à vasoconstrição persistente de determinados órgãos4,5.
O presente estudo teve como objetivo avaliar os fatores de risco, antenatais e pós-natais para o óbito neonatal em gestações com diástole zero ou reversa na doplervelocimetria da artéria umbilical.
Métodos
Estudo transversal, retrospectivo e inferencial. As informações foram obtidas de 48 prontuários de gestantes com diástole zero (DZ) ou diástole reversa (DR) na doplervelocimetria da artéria umbilical, que foram acompanhadas no Ambulatório de Medicina Materno-Fetal e nas enfermarias de intercorrências clínico-obstétricas da Maternidade-Escola Assis Chateaubriand (MEAC) da Universidade Federal do Ceará (UFC). Este serviço é terciário de referência para a região metropolitana de Fortaleza, bem como para diversos municípios do Ceará. Durante esse período, houve 49.940 partos na instituição.
A idade das pacientes variou de 15 a 44 anos, com média de 27,3 (desvio padrão: 7,9). Observou-se que 20 (41,7%) pacientes eram primigestas. Vinte e oito (58,3%) tinham pelo menos duas gestações, sendo que o número médio foi de 2,6 gestações por paciente (DP: 2,2). Das condições patológicas de base que motivaram o encaminhamento dessas gestantes para o Serviço de Medicina Materno-Fetal da MEAC-UFC, as síndromes hipertensivas foram observadas em 44 (91,7%) casos, considerada a principal causa. Houve um caso de eclâmpsia e três síndromes HELLP.
Os casos foram selecionados consecutivamente durante o período do estudo, após realização do exame doplervelocimétrico com verificação da DZ ou DR. Foram incluídas na análise as gestações únicas, com idade gestacional entre 24 e 34 semanas no momento do exame doplervelocimétrico, ausência de malformações ou anomalias cromossômicas fetais e parto ocorrido na instituição. Foram excluídas da análise 19 pacientes: onze delas foram transferidas para parto em outra instituição, cinco apresentavam gestação múltipla, um feto com malformação estrutural e dois com trissomia do cromossomo 21 diagnosticados no período neonatal. As pacientes foram seguidas segundo os protocolos da instituição para avaliação da vitalidade fetal com cardiotocografia, aferição do índice de líquido amniótico (ILA) e perfil biofísico fetal (PBF). Vinte e oito pacientes (58,3%) fizeram uso de corticoide intramuscular para aceleração da maturidade pulmonar fetal (24 mg de betametasona, em duas aplicações de 12 mg com intervalo de 24 horas).
As reavaliações eram definidas de acordo com a apresentação clínica e com a gravidade do caso. Os critérios para interrupção da gestação eram: 34ª semana de idade gestacional, cardiotocografia patológica, PBF menor ou igual a 6 ou sinais de deterioração clínica materna (sinais de iminência de eclâmpsia, pressão arterial diastólica maior ou igual a 110 mmHg ou pressão arterial sistólica maior ou igual a 160 mmHg persitentes, oligúria com valores menores que 400 mL de diurese em 24 horas não-responsiva à terapia clínica, alterações laboratoriais compatíveis com síndrome HELLP ou aumento nos níveis de creatinina). Os casos não determinados pelos protocolos foram decididos em reuniões científicas com os docentes e a chefia da enfermaria de patologia obstétrica.
O exame doplervelocimétrico considerado para análise foi o último, desde que não houvesse sido realizado há mais de 48 horas do parto ou do óbito intrauterino. A doplervelocimetria, conforme rotina do serviço, foi realizada por via abdominal, utilizando-se aparelho Siemens Versa Pro equipado com escala de cinza, em tempo real, com sonda convexa de 3,5 Mhz, que dispunha de dispositivo Doppler (com mapeamento colorido do fluxo sanguíneo), estando as pacientes em posição semissentada. Os dados sonográficos dos vasos analisados foram obtidos com as imagens congeladas durante a inatividade e apneia fetais. Foram utilizados filtros de baixa frequência (25 a 50 hertz). Foram analisadas no mínimo cinco ondas uniformes e consecutivas do sonograma obtido com ângulo de incidência inferior a 30º.
A doplervelocimetria da artéria umbilical foi realizada preferencialmente em região próxima à inserção do cordão umbilical na placenta. A ausência de fluxo diastólico final (DZ) foi confirmada em pelo menos 90% dos ciclos avaliados. A diástole foi caracterizada como reversa (DR) quando se observou fluxo diastólico reverso na maioria dos sonogramas analisados. A artéria cerebral média (ACM) foi identificada em secção transversal do crânio fetal em um plano paralelo, mais caudal, ao plano de obtenção do diâmetro biparietal (incluindo tálamos e cavum do septo pelúcido). Com o auxílio do Doppler colorido, era identificado o polígono de Willis e seus ramos em estreita proximidade com as asas maiores dos ossos esfenoides (ACM). Foi considerada para análise a ACM mais próxima do transdutor. O local de amostragem foi na porção média entre a saída do polígono de Willis e a fissura de Silvius. Foram determinados a relação A/B (sístole sobre diástole), o índice de pulsatilidade (IP) e o índice de resistência (IR).
Os parâmetros analisados foram idade materna, número de gestações, condição patológica de base que motivou a realização do exame, idade gestacional no momento do exame doplervelocimétrico que identificou a DZ ou DR, tempo transcorrido entre a verificação de DZ ou DR e o parto, conduta obstétrica, tipo de parto, resultados da doplervelocimetria na artéria umbilical e na ACM, resultados do ILA classificado como normal (maior ou igual a 80 mm) ou diminuído (menor que 80 mm), resultados da cardiotocografia (normal ou patológica), peso ao nascer, adequação do peso ao nascimento segundo a curva de Lubchenco et al.6; escore de Apgar ao primeiro e quinto minutos. O desfecho avaliado foi óbito neonatal.
Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa da Maternidade-Escola Assis Chateaubriand e segue os termos preconizados pelo Conselho Nacional da Saúde, portaria 196/96, para pesquisa em seres humanos.
Inicialmente, como estratégia para construção dos modelos matemáticos, procedeu-se à análise univariada (teste t de Student e teste exato de Fisher), relacionando-se os parâmetros com o resultado pesquisado (óbito neonatal). Desta forma, as variáveis que apresentaram associação significativa foram selecionadas para serem incluídas no modelo de regressão logística (Estatística de Wald).
Para a obtenção dos fatores preditivos, foi utilizado o modelo de regressão logística com processo de seleção stepwise. Nesse procedimento estatístico, cada variável é introduzida no modelo sequencialmente, de acordo com a maior correlação positiva observada, sendo então testadas quanto à sua permanência ou não no modelo matemático. Variáveis independentes potencialmente classificáveis como variáveis de confusão foram incluídas na regressão. Os parâmetros do modelo foram estimados por meio do método de probabilidade máxima, e os coeficientes que ofereceram melhor predição foram selecionados. O nível de significância utilizado para os testes foi de 5%.
Resultados
A mortalidade perinatal foi de 64,6% (31/48). Ocorreram 5 óbitos fetais e 26 neonatais (14 precoces e 12 tardios). Entre os óbitos fetais, dois eram do grupo DZ e três do DR, todas com centralização de fluxo, diminuição do líquido amniótico e diagnósticos da anormalidade doplervelocimétrica até a 28ª semana gestacional. Foram seguidos conservadoramente em virtude do baixo peso fetal estimado na ultrassonografia. O peso médio ao nascimento foi de 582 g (DP: 233,1).
Vinte e oito pacientes (58,3%) tiveram seu achado doplervelocimétrico de DZ/DR até a 27ª semana gestacional. A média de idade gestacional no momento do diagnóstico anormal foi de 27,9 semanas (DP: 2,8). Diástole zero e diástole reversa foram observadas em 72,9 e 27,1% dos casos, respectivamente, sendo que 69,2% das pacientes com diagnóstico de DZ e 74,2% das pacientes com DR apresentavam artéria cerebral dilatada (centralização).
O tempo médio entre o diagnóstico doplervelocimétrico de DZ ou DR na artéria umbilical e a interrupção da gestação foi de 5,8 dias (DP: 11,4). Até 24 horas, 25 (52,1%) pacientes tiveram suas gestações resolvidas pela presença de DR ou cardiotocografia patológica. Essas pacientes só fizeram uso da primeira dose do corticoide. Em uma semana, 81,3% das gestações tinham culminado em parto. Parto abdominal foi realizado em 85,4% das 48 gestações. Quando considerado somente o grupo sem óbito fetal, a taxa de parto abdominal foi de 93% (40/43). Não houve indução de trabalho de parto com feto vivo. Houve quatro induções de parto com óbito fetal.
Observou-se que 28 (53,3%) pacientes não foram submetidas à avaliação por cardiotocografia, enquanto em 40% (8/20) daquelas que foram foi verificado resultado anormal: ausência de acelerações transitórias com linha de base comprimida e/ou presença de desacelerações tardias ou umbilicais graves. A avaliação das gestações pelo ILA revelou que 47,9% de um total de 45 apresentaram volume de líquido amniótico diminuído (< 80 mm), enquanto três gestações não tiveram esse dado descrito em seus prontuários.
Do estudo estatístico univariado (Tabela 1), a idade gestacional no momento do diagnóstico doplervelocimétrico revelou-se variável significativamente relacionada com o óbito neonatal. Foi, portanto, selecionada para o ajuste do modelo de regressão logística para probabilidade de óbito neonatal. A regressão logística apontou a idade gestacional no diagnóstico da anormalidade à doplervelocimetria como variável capaz de predizer o óbito neonatal com razão de chances (OR) 6,6 vezes maior de ocorrer o óbito neonatal quando DZ ou DR é encontrada até a 28ª semana (Tabela 2). O modelo ajustado apresentou sensibilidade de 75%, especificidade de 68,8% e valor de predição de 72,5%, com prevalência estimada de óbito de 78,3% quando o diagnóstico de DZ ou DR em artéria umbilical foi feito com idade gestacional menor ou igual a 28 semanas, e de 35,3% quando o diagnóstico for realizado após 28 semanas.
Os resultados relacionados a esse período foram obtidos nos 43 casos de recém-nascidos vivos. Houve mortalidade neonatal precoce de 32,6% (14/43) e tardia de 27,9% (12/43).
Os pesos dos recém-nascidos (RN) variaram entre 550 e 2600 g, com mediana de 875,5 g, média de 975,9 g e DP de 457,5 g. A idade gestacional calculada em função do método de Capurro apresentou média de 30,9 semanas (DP: 2,3), com 11,9% dos RN apresentando idade gestacional menor ou igual a 28 semanas. A média de idade gestacional no grupo DZ foi 31,4 semanas (DP: 2,1), e no grupo DR de 29,6 semanas (DP: 2,8). A frequência de RN considerados pequenos para a idade gestacional foi de 76,7% (33/43).
Ao primeiro minuto de vida, 24 (57,1%) dos RN apresentaram Índices de Apgar menores que 7, enquanto no quinto minuto 21,4% obtiveram esses valores. Do estudo estatístico univariado, peso do RN e Apgar ao primeiro minuto revelaram-se variáveis significativamente relacionadas com o óbito neonatal. Foram, portanto, selecionadas para o ajuste do modelo de regressão logística para probabilidade de óbito neonatal. A regressão logística apontou o peso e o Apgar de primeiro minuto como variáveis capazes de predizer o óbito neonatal (Tabela 3), cujo modelo ajustado possui uma sensibilidade de 75%, especificidade de 76,58% e valor de predição de 75,6%. A OR para RN de peso abaixo de 1 kg foi de 25,3 e, para Apgar de primeiro minuto <7, houve uma chance 13,7 vezes maior de evoluir para o óbito neonatal. A prevalência estimada de ocorrer o óbito neonatal quando o RN tem peso <1 kg e Apgar de primeiro minuto <7 é de 96,2%, quando apresenta peso <1 kg e Apgar 7 é de 64,6%, quando peso > 1 kg e Apgar de primeiro minuto <7 é de 49,7% e quando peso > 1 kg e Apgar > 7 é de 6,7%.
Discussão
A expressiva redução da mortalidade na infância, observada ao longo do século 20, ocorreu em função da redução da mortalidade pós-neonatal. Sendo assim, os óbitos neonatais passaram a representar 36% dos óbitos ocorridos em menores de cinco anos em todo o mundo. O peso do componente neonatal na mortalidade infantil (óbitos em menores de um ano) é, evidentemente, ainda mais expressivo. Mesmo nos países em desenvolvimento, nos quais os fatores de risco para a mortalidade pós-neonatal ainda são bastante significativos, a mortalidade neonatal já representa mais de 50% do coeficiente de mortalidade infantil em prematuros7.
Os determinantes da mortalidade neonatal são múltiplos e complexos, relacionando-se à interação de variáveis biológicas, assistenciais e socioeconômicas. As variáveis biológicas referem-se à mãe e ao recém-nascido e são as causas diretas dos óbitos neonatais. Dessa forma, as gestações que cursam com insuficiência placentária são, em potencial, importantes contribuições para a mortalidade infantil, uma vez que estão relacionadas com elevadas taxas de morbidade e mortalidade perinatais8,9.
Tendo em vista a gravidade dessas repercussões no produto conceptual, atenção especial deve ser dirigida ao enfoque das doenças maternas, particularmente as mais graves que mais frequentemente se associam à diástole zero ou reversa. Com isso, cria-se a possibilidade de eleger o grupo de gestações que deverá ser rastreado quanto às significativas alterações na doplervelocimetria e estabelecer em momento oportuno, uma abordagem diferenciada, compatível com a sua complexidade5. Não existe, na atualidade, uma intervenção terapêutica efetiva capaz de reverter o curso progressivo da insuficiência placentária, exceto a ultimação da gestação. Otimizar a assistência e decidir o momento da intervenção é complexo, pois requer a comparação dos riscos da prematuridade contra aqueles da permanência intrauterina: morte e lesão de múltiplos órgãos devido à inadequada perfusão tecidual. Portanto, a decisão de interrupção necessita ser tomada individualmente, levando-se em consideração outras variáveis além da própria idade gestacional e das condições técnicas do seu berçário, como o índice de líquido amniótico, peso fetal e outros testes de vitalidade5,10.
A média da idade gestacional no diagnóstico de DZ ou DR foi de 27,9 semanas, com desvio padrão de 2,8 semanas, resultado semelhante ao encontrado em outros estudos11,12. A insuficiência placentária apresentou início clínico precoce, ou seja, antes da 28ª semana em mais da metade da amostra (58,3%). Essa combinação de achados doplervelocimétricos precoces e graves é descrita na literatura como associada a prognóstico perinatal desfavorável. Pela evolução clínica da insuficiência placentária, 52,1% das gestações foram resolvidas nas primeiras 24 horas após o diagnóstico de DZ ou DR em artéria umbilical, por via abdominal (85,4%) preferencialmente.
Apesar dos elevados índices de mortalidade fetal e neonatal associados ao diagnóstico de DZ e DR, a indicação da resolução da gestação deve ser criteriosa, ponderando-se sempre os riscos da prematuridade extrema e as sequelas da asfixia intrauterina, além da eficiência da Unidade de Terapia Intensiva Neonatal local5. Deste modo, é fundamental para cada serviço determinar quais os fatores prognósticos relacionados ao óbito perinatal, estabelecendo seus valores de predição para melhor interpretação dos casos e orientação da conduta obstétrica. Para tentar dar uma maior homogeneidade à amostra estudada, considerou-se critério de inclusão somente gestações entre 24 e 34 semanas, população selecionada inicialmente para conduta expectante pelos protocolos do nosso serviço.
A alta taxa de mortalidade perinatal encontrada pode ser explicada, em parte, pela apresentação precoce da insuficiência placentária grave. A maioria dos casos (58,3%) possuía menos de 27 semanas de idade gestacional no momento da detecção da DZ ou DR, justificando tanto os óbitos fetais e neonatais precoces pela provável hipoxemia quanto os tardios pela alta prevalência da prematuridade. A decisão de resolução imediata também envolveu a maioria delas (52,1% foram resolvidas em menos de 24 horas pós-admissão) em virtude da gravidade da apresentação.
Quando foi feita a opção pela conduta conservadora para fugir das repercussões da prematuridade, uma estratégia para seguimento da vitalidade fetal precisa ser desenvolvida. Em nosso serviço, a cardiotocografia e a avaliação do índice de líquido amniótico, além do perfil biofísico fetal, fazem parte dessa estratégia. Na época da coleta de dados, o serviço não utilizava a doplervelocimetria venosa como critério para resolução da gestação, considerada atualmente um indicador do melhor momento para resolução da gestação em casos de insuficiência placentária grave, isoladamente ou em associação com outras provas de vitalidade fetal12,13. Por esse motivo, não foi possível avaliar esse parâmetro como fator prognóstico.
No presente estudo, apenas 41,7% das gestações foram avaliadas pela cardiotocografia, possivelmente devido à idade gestacional inadequada para a realização desse exame, à época do diagnóstico de DZ ou DR em artéria umbilical, em parte considerável da nossa amostra. Os resultados obtidos revelaram-se anormal em 40% dos casos. Conclui-se que não há relação significativa entre essa variável e o óbito neonatal, confirmando o observado por outros autores4.
Apesar de parte da literatura concordar que o oligoidrâmnio, caracterizado pelo ILA inferior ou igual a 5 cm, tem potencial para identificar fetos de risco para resultados perinatais adversos14; os dados não indicam relação significativa entre essa variável e óbito neonatal. Outros autores também não constataram essa associação e, em gestações de alto risco, questionam se a definição adotada para oligoâmnio é realmente adequada15.
A centralização fetal foi observada em 74,3 e 69% das gestações com DZ e DR, respectivamente. A relação entre o IR (índice de resistência) da artéria cerebral média e o IR da artéria umbilical, quando menor ou igual à unidade, identifica risco para restrição do crescimento fetal e para morbidade neonatal grave, sugerindo ser inadequada a avaliação de fetos apenas com a doplervelocimetria de artéria umbilical, e que se poderia obter melhor indicador do prognóstico fetal pela avaliação conjunta da circulação umbilical e cerebral16. Para cada aumento de 0,1 na relação do IR da artéria umbilical pelo IR da artéria cerebral média existia um aumento de 63% nas chances de resultados perinatais adversos11. Esses mesmos autores reavaliaram os preditores para mortalidade perinatal, encontrando, em fetos com restrição de crescimento e DZ na artéria umbilical, a relação umbilical/cerebral como o melhor parâmetro nessa predição17.
Essa contribuição da dilatação da artéria cerebral média da piora dos resultados perinatais não foi observada nos nossos dados. Isso ocorreu provavelmente pelo fato de que em fetos que apresentam o fenômeno de centralização, onde DZ ou DR são observadas em AU, os resultados perinatais já refletem estado de insuficiência placentária grave, que mesmo mecanismos fisiológicos para compensação da hipoxemia não são suficientes18.
Em gestações complicadas por restrição do crescimento fetal e DZ ou DR em AU, a média de 672 g pode ser considerado preditora de mortalidade perinatal11. Para outros autores, o peso estimado e a idade gestacional influenciam diretamente a conduta a ser adotada em casos de DZ ou DR em AU, pois são os principais fatores prognósticos de óbito perinatal. Recém-nascidos com peso inferior a 800 g e idade gestacional menor que 28 semanas têm os piores prognósticos4. Fetos com DZ ou DR e peso menor ou igual a 500 g no momento do diagnóstico têm sobrevida perinatal de apenas 14%19.
Seyam et al.20; estudando retrospectivamente 100 gestações com DZ ou DR em AU, com idade gestacional variando entre 28 e 41 semanas, encontrou 40% de recém-nascidos pequenos para a idade gestacional. Esse número elevado de RN pequenos para a idade gestacional, em nossa amostra, é explicado pelo aumento da resistência vascular placentária, fortemente correlacionado com a restrição do crescimento fetal e com os efeitos multissistêmicos da deficiência de nutrientes e oxigênio21.
O Colégio Americano de Ginecologia e Obstetrícia alerta para o fato de que o índice de Apgar pode refletir outras situações clínicas, como prematuridade e anomalias congênitas, podendo comprometer sua interpretação, o que nos leva a inferir que seu uso isolado não é adequado para definir asfixia22. Em nossos dados, o estudo estatístico univariado do índice de Apgar de primeiro minuto revelou-se variável significativamente relacionada ao óbito neonatal. Submetendo essa variável ao modelo de regressão logística para probabilidade de óbito neonatal, o Apgar de primeiro minuto foi capaz de predizer o óbito neonatal, cujo modelo ajustado possui uma sensibilidade de 75%, especificidade de 76,58% e valor de predição de 75,6%.
A literatura é unânime na verificação dos altos índices de morbidade e mortalidade em casos de DZ ou DR. Franzin et al.18 observaram a ocorrência de óbito pós-natal de 31% (9/29) em gestações complicadas por centralização fetal, e DZ ou DR foi observada em 78% dos casos que evoluíram a óbito. Madazli23 encontrou 40% de mortalidade perinatal em gestações complicadas por restrição do crescimento fetal. Em estudo nacional, Yamamoto et al.4 descreveram mortalidade de 63,8% em casos de DR em AU.
Concluindo, a partir do modelo final de regressão logística, foi possível identificar os fatores prognósticos para o óbito neonatal, observando-se que a idade gestacional no momento do diagnóstico doplervelocimétrico, o peso ao nascer e o escore de Apgar de primeiro minuto estiveram relacionados com essa intercorrência. Resultados da doplervelocimetria da artéria cerebral média, da cardiotocografia e do índice de líquido amniótico, tempo transcorrido entre o diagnóstico de diástole zero ou reversa e o parto, conduta obstétrica, tipo de parto e escore de Apgar no quinto minuto foram variáveis não relacionadas com o óbito neonatal.
Recebido 18/1/10
Aceito com modificações29/7/10
Maternidade Escola Assis-Chateaubriand da Universidade Federal do Ceará - UFC - Fortaleza (CE), Brasil