DOI: S0100-7203(12)03400602 - volume 34 - Junho 2012
Zair Benedita Pinheiro de Albuquerque, Edna Joana Cláudio Manrique, Suelene Brito do Nascimento Tavares, Adenícia Custódio Silva e Souza, Janaína Valadares Guimarães, Rita Goreti Amaral
Introdução
No Brasil, o Ministério da Saúde/Instituto Nacional do Câncer (MS/INCA) tem envidado esforços no sentido de aprimorar estratégias que possibilitem ações para a redução da incidência e mortalidade por câncer de colo do útero1-5. Entretanto, vários estudos têm demonstrado que aspectos epidemiológicos, questões relativas ao programa de rastreamento, as condições sociodemográficas das mulheres e o conhecimento limitado sobre prevenção de doenças são fatores que, somados às limitações dos serviços de saúde, à qualidade da atenção profissional e do sistema de informações, dificultam a prevenção e o controle do câncer de colo do útero em nosso país6-11.
Atualmente, no Sistema Único de Saúde (SUS), as ações de prevenção e controle desse tipo de câncer são estruturadas nas Unidades de Atenção Básica de Saúde (UABS) e na incorporação organizada dos laboratórios de citopatologia, histopatologia e hospitais especializados4,12. Essas ações são monitoradas pelo sistema de informações sobre o câncer do colo do útero (SISCOLO), que ainda não permite identificação do número de mulheres examinadas, apenas a quantidade de exames realizados e dados sobre resultados de colposcopia e biópsia. Estas circunstâncias dificultam o conhecimento preciso de taxas de captação e cobertura, essenciais ao acompanhamento das ações planejadas8,13.
Todavia, a eficiência do rastreamento depende do seguimento adequado do tratamento das mulheres que apresentam resultados citopatológicos anormais, mantendo-se no programa aquelas que precisam repetir o exame ou serem encaminhadas a centros especializados14.
É evidente que, todo o conjunto de normas e diretrizes elaboradas pelo MS/INCA constitui um importante sistema norteador para o controle do câncer do colo do útero. Entre as diretrizes insere-se a Nomenclatura Brasileira para Laudos Cervicais e Condutas Preconizadas, elaborada com a finalidade de orientar a atenção às mulheres, subsidiando tecnicamente os profissionais de saúde, disponibilizando conhecimentos atualizados de maneira sintética e acessível que possibilitem orientar condutas adequadas para o câncer do colo do útero4,5,12.
Estudos têm demonstrado que a prática do rastreamento na maioria das vezes não segue as normas do MS, pois a periodicidade mais adotada é a anual, e têm sido rastreadas mulheres jovens, abaixo do limite inferior do grupo etário definido como risco. Além disso, muitas mulheres com resultados citopatológicos alterados não são orientadas e nem encaminhadas adequadamente para adoção das condutas clínicas preconizadas7,10,13,15,16. Estas diferenças entre a prática vigente e as normas do Ministério da Saúde podem ser um fator de dificuldades para o aperfeiçoamento das ações do rastreamento.
Assim, considerando a importância das diretrizes brasileiras para o rastreamento do câncer do colo do útero, o objetivo deste estudo foi verificar se as mulheres com atipias de significado indeterminado e lesões precursoras ou invasivas do colo do útero são encaminhadas à Unidade de Média Complexidade (UMC), de acordo com as condutas recomendadas pelo do MS, no município de Goiânia, Goiás.
Métodos
Estudo retrospectivo realizado na Universidade Federal de Goiás (UFG) em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Goiânia (GO) e aprovado pelo Comitê de Ética da UFG sob nº 71/2005. O estudo teve como base os resultados dos exames citopatológicos de mulheres usuárias do SUS submetidas ao exame de prevenção para controle do câncer do colo do útero nas UABS e encaminhadas para a UMC do município de Goiânia (GO), no período de 2005 e 2006.
Inicialmente, fez-se levantamento por meio do SISCOLO para identificar os exames citopatológicos do colo do útero alterados de mulheres atendidas nas UABS. Após este levantamento foram realizadas visitas às UABS para verificar o procedimento de encaminhamentos dessas mulheres para a UMC. As informações dos motivos de encaminhamentos foram obtidas nos prontuários e livros de registros e verificou-se que as mulheres com resultados alterados classificados como atipias de significado indeterminado, possivelmente não neoplásicas (ASC-US), assim como lesões mais graves eram encaminhadas para a UMC a partir do resultado da primeira citologia.
Após esta etapa, foram analisados os prontuários na UMC para obtenção das informações de seguimento das mulheres a partir dos resultados citopatológicos alterados. Assim, identificaram-se 1.148 prontuários de mulheres cadastradas na UMC. Destes, 39 foram excluídos por apresentarem dados ilegíveis, 251 devido a outros motivos de encaminhamentos não recomendados pelo MS e 26 por não terem informações de encaminhamentos, totalizando 832 prontuários analisados neste estudo. As variáveis utilizadas na pesquisa foram os motivos de encaminhamento à UMC, resultados dos exames colposcópicos e histopatológicos e as condutas clínicas.
Os motivos de encaminhamentos dos resultados dos exames citopatológicos foram definidos de acordo com a Nomenclatura Brasileira para Laudos Cervicais, seguindo as recomendações do MS/INCA12. Estes foram categorizados em células escamosas atípicas, possivelmente não neoplásicas (ASC-US); células escamosas atípicas de significado indeterminado, não podendo excluir lesão de alto grau (ASC-H); lesão intraepitelial de baixo grau (LSIL, compreendendo efeito citopático pelo HPV e neoplasia intraepitelial cervical grau I); lesão intraepitelial de alto grau (HSIL, compreendendo neoplasias intraepiteliais cervicais graus II e III); lesão intraepitelial de alto grau, não podendo excluir microinvasão; carcinoma escamoso invasor (Ca inv); células glandulares atípicas (CGA); adenocarcinoma in situ (Adeno in situ) e adenocarcinoma invasor (Adeno inv).
A análise das condutas clínicas baseou-se nas orientações preconizadas pelo MS/INCA12, as quais recomendam que as mulheres com exame citopatológico classificado como ASC-US ou LSIL devem repetir o exame citopatológico após seis meses nas UABS.
A mulher com exame citopatológico classificado como ASC-H, HSIL, Ca inv, CGA, Adeno in situ ou Adeno inv deve ser encaminhada à UMC para submeter-se a colposcopia e confirmação histológica e, se necessário, deverá ser encaminhada à Unidade de Alta Complexidade (UAC) para ser tratada de acordo com as condutas específicas recomendadas, tais como: eletrocauterização (ECTZ), conização (CON), Loop Eletrosurgical Excision Procedures (LEEP, excisão eletrocirúrgica por alça) ou receber orientações previstas como retorno às UABS de origem para seguimentos citológicos13.
Os resultados das colposcopias foram classificados em colposcopia normal (ausência de qualquer lesão colposcópica, sendo possível visibilizar a junção escamo-colunar (JEC) em todos os seus limites); colposcopia anormal (reconhecimento de alterações epiteliais, glandulares ou associações de ambas, sendo possível visibilizar a JEC em todos os seus limites) e colposcopia insatisfatória (Insat, exame colposcópico em que não foi possível visibilizar a junção escamo-colunar (JEC), e quando o epitélio escamoso apresentou atrofia ou inflamação intensa)17.
Os resultados dos exames histopatológicos foram classificados em: sem neoplasia (SNEO), incluindo normal, cervicite crônica inespecífica e pólipo endocervical; alterações histológicas sugestivas de infecção por HPV; neoplasia intraepitelial cervical grau I (NIC I); neoplasia intraepitelial cervical grau II (NIC II); neoplasia intraepitelial cervical grau III (NIC III); carcinoma epidermoide microinvasivo; carcinoma escamoso invasivo; adenocarcinoma in situ e adenocarcinoma invasor18.
Para a análise dos dados, os resultados dos exames citopatológicos foram agrupados e categorizados de acordo com a conduta clínica preconizada e a gravidade da lesão da seguinte maneira: os resultados classificados como ASC-US ou LSIL foram categorizados como ASC-US/LSIL; os classificados como ASC-H, HSIL, carcinoma invasor foram categorizados como ASC-H/HSIL/Ca inv; e os classificados como CGA e adenocarcinoma invasor foram categorizados como CGA/Adeno inv.
Os programas Epi-info 3.3.2 2006 e Microsoft Excel 2007 foram usados para processamento e a análise dos dados. Para verificar a distribuição das variáveis motivos de encaminhamento, resultados dos exames colposcópicos e histopatológicos e condutas clínicas, utilizou-se o cálculo de frequências absolutas e relativas, média, valores mínimo e máximo.
Resultados
A idade das mulheres variou de 11 a 81 anos, sendo que a maioria apresentava-se dentro da faixa etária de 25 a 59 (69,0%). Das 832 pacientes encaminhadas à UMC, 605 (72,7%) apresentaram resultados citopatológicos classificados como ASC/LSIL, 211 (25,4%) como ASC-H/HSIL/Ca inv e 16 (1,9%) como CGA/Adeno inv. Das 832 mulheres, 688 (82,7%) foram submetidas à colposcopia e 430 (51,7%) ao exame histopatológico (Tabela 1).
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Das 605 mulheres com resultados citopatológicos classificados como ASC-US/LSIL, 494 (81,6%) e 278 (46,0%) foram submetidas à colposcopia e ao histopatológico, respectivamente. A colposcopia apresentou 212 (43,0%) resultados anormais e o resultado do histopatológico foi de 124 (44,6%) exames classificados como NIC I, entre os quais 98 (79,0%) mulheres receberam orientações para retorno às unidades de origem e seguimento citológico e 50 (18,0%) foram classificados como NIC II/NIC III. Entre estas últimas, 27 (54,0%) foram submetidas a condutas clínicas preconizadas e 86 (31,0%) apresentaram resultados histopatológicos classificados como sem neoplasias (Tabela 2).
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Entre as 211 mulheres com resultados citopatológicos classificados como ASC-H/HSIL/Ca inv, 182 (86,3%) e 145 (66,7%) foram submetidas à colposcopia e ao exame histopatológico, respectivamente. A primeira apresentou 108 (59,0%) resultados anormais e o resultado do exame histopatológico mostrou 27 (18,6%) classificados como NIC I. Destes, 15 (55,6%) mulheres receberam orientações para retorno às unidades de origem e seguimento citológico, 86 (59,3%) foram classificadas como NIC II/NIC III, das quais 61 (70,9%) foram submetidas a condutas clínicas preconizadas e 24 (16,6%) apresentaram resultados histopatológicos classificados como sem neoplasias (Tabela 3).
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Das 16 mulheres com CGA/Adeno inv, 12 (75,0%) e 7 (43,7%) foram submetidas à colposcopia e ao histopatológico, respectivamente. O primeiro apresentou 2 (16,7%) resultados anormais e o resultado do histopatológico identificou apenas um classificado como NIC III, caso este tratado com LEEP. Outros três foram classificados como sem neoplasias e três sem informação de resultado (Tabela 3).
Discussão
Os resultados deste estudo demonstraram que aproximadamente 72,7% dos encaminhamentos das mulheres para a UMC não estavam de acordo com as recomendações do MS. Destes, mais da metade apresentava exames citopatológicos classificados como ASC-US/LSIL, e a maioria foi submetida à colposcopia, cujos resultados foram normais ou sem informações.
Observou-se, ainda, que das mulheres com exames citopatológicos ASC-US/LSIL submetidas ao exame histopatológico, menos de 20% tiveram resultados NIC II/NIC III, 31 e 44,6% sem neoplasias e NIC I, respectivamente. Estes resultados são consistentes com a literatura19,20 e reforçam a importância das recomendações do MS/INCA, ou seja, repetir o exame citopatológico após seis meses. Caso se confirme a mesma alteração ou piora do diagnóstico então se deve submeter a paciente à colposcopia12.
A categoria ASC-US tem sido alvo de estudos, debates e consensos. Pesquisadores propõem o aperfeiçoamento das condutas clínicas preconizadas para essa categoria sugerindo o encaminhamento para colposcopia em situações especiais, como, por exemplo, mulheres imunocomprometidas. Existe consenso de que mulheres imunossuprimidas têm, em geral, maior probabilidade de apresentarem lesões pré-invasivas, motivando recomendações diferenciadas de rastreio5,21-23.
Observamos que aproximadamente 60% das mulheres com exames citopatológicos ASC-H/HSIL/Ca inv tiveram confirmação pelo exame histopatológico de NIC II/NIC III. Por outro lado, observou-se que aproximadamente 35% foram classificadas histopatologicamente como sem neoplasias ou NIC I. Esses resultados são semelhantes a estudos nos quais se demonstrou que as atipias de significado indeterminado, quando correlacionadas com o histopatológico, podem variar desde a normalidade até lesões mais graves, incluindo as formas invasoras, e que cerca de 20 a 30% de LSIL são classificadas como NIC II ou NIC III pelo histopatológico. No entanto, as HSIL apresentam melhor correlação com resultados histopatológicos, que confirmam NIC II/NIC III em mais de 62% dos casos19,20,24.
Em relação às condutas clínicas após os resultados dos exames histopatológicos, observou-se que, na maioria dos casos sem neoplasias ou NIC I, as mulheres receberam orientações para retorno às unidades de origem e seguimento citológico. Da mesma forma, em relação aos confirmados histologicamente como NIC II/NIC III ou pior diagnóstico, as mulheres foram, regra geral, orientadas e encaminhadas para a realização dos procedimentos conforme condutas clínicas preconizadas pelo MS12.
Todavia, ressalta-se no presente estudo que aproximadamente 30% das mulheres com resultados citopatológicos ASC-H/HSIL não apresentaram informações sobre resultados de exames colposcópicos e histopatológicos, o que sugere que essas mulheres não foram submetidas a eles. Assim, a observação das normas e os encaminhamentos corretos para os diferentes níveis de atendimento são fatores importantes para o aprimoramento do desempenho do programa de rastreamento com vistas ao controle do câncer cervical, ao mesmo tempo em que exclui procedimentos e condutas desnecessárias que podem gerar custos adicionais5.
Apesar desta pesquisa não objetivar avaliação da qualidade das informações do sistema ou dos prontuários, observou-se neles falta de informações, preenchimentos incompletos e dados ilegíveis. Pesquisadores atentam para o fato de que o sistema de informações, a organização do funcionamento, a qualificação dos profissionais para a realização adequada de suas funções, especialmente auxiliares técnicos, e a pouca eficiência do sistema educacional para o trabalho são fatores que contribuem para a pouca eficiência do programa brasileiro de controle do câncer de colo do útero8,13.
Concluindo, observou-se neste estudo elevada frequência de encaminhamentos inadequados para a UMC, o que demandou alto percentual de procedimentos desnecessários. As recomendações do MS foram parcialmente seguidas pelas UABS, não havendo, entretanto, observação criteriosa para os encaminhamentos à UMC. Uma vez na UMC, a maioria das mulheres recebeu orientação/tratamento conforme preconizado pelo MS.
Agradecimentos
Ao Professor Dr. Délio Marques Conde, doutor em Ciências Médicas, por suas importantes considerações sobre este estudo.
Recebido 27/02/2012
Aceito com modificações 02/04/2012
Conflito de interesses: não há.
Trabalho realizado na Universidade Federal de Goiás - UFG - Goiânia (GO), Brasil, e Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia - Goiânia (GO), Brasil.