DOI: S0100-7203(13)03501000005 - volume 35 - Outubro 2013
José Queiroz Filho, Ana Katherine Gonçalves, Geraldo Barroso Cavalcante Júnior, Daliana Caldas Pessoa, José Eleutério Júnior, Paulo César Giraldo, Valéria Soraya de Farias Sales
Introdução
A candidíase vulvovaginal (CVV) é um dos diagnósticos mais frequentes nos ambulatórios de ginecologia, afetando 75% de todas as mulheres pelo menos uma vez durante suas vidas menos de 5% terão candidíase vulvovaginal recorrente (CVVR). A CVVR é uma situação que traz grande desconforto para a mulher, podendo até mesmo cursar com transtornos psicológicos1-4. A candida albicans é a espécie mais frequentemente isolada em vaginas de pacientes sintomáticas. São micro-organismos oportunistas que, em certas condições, como maior virulência do fungo ou desequilíbrio da imunidade do hospedeiro, podem tornar-se patogênicos5-7. A resposta imune adaptativa é responsável pela proteção das mulheres contra a conversão do organismo para um agente patogênico oportunista da mucosa vaginal8-11.
A candida é um fungo comensal do trato gastrointestinal e geniturinário, e como resultado dessa exposição a maioria, se não todos os indivíduos saudáveis, desenvolvem imunidade específica adaptativa a candida demonstrada por meio de anticorpos séricos na mucosa, "in vitro" ou por meio do teste de reatividade cutânea retardada por respostas de células T8-11. A imunidade celular (IMC) é o centro de todas as hipóteses para explicar candidíase de mucosas. A defesa do hospedeiro contra a candidíase envolve equilíbrio entre resposta imune celular do hospedeiro e o patógeno em questão (Th1 e Th2)9,11,12.
A resistência das mucosas do hospedeiro às infecções por candida está associada à predominância da resposta imune do tipo celular (resposta das células T CD4), enquanto que a susceptibilidade à infecção está associada à resposta do tipo humoral (resposta das células B)9,12.
Muitos casos de candidíase vulvovaginal recorrente CVVR são atribuídos à resistência terapêutica, no entanto, outra hipótese amplamente aceita é que a CVV primária é uma reação alérgica causada por imunoglobulina E candida específico (IgE)9,12,13. Durante a exposição ao antígeno, na falta de resposta celular específica, ocorre predominantemente uma resposta humoral com aumento da produção de anticorpos IgE a partir de linfócitos presentes na membrana basal. A presença de alérgenos no canal vaginal e o transporte intraepitelial favoreceria a produção de IgE específica, que, por sua vez, induziria a degranulação dos mastócitos provocando a liberação de mediadores vasoativos como histamina e mediadores inflamatórios (prostaglandinas e leucotrienos), culminando em episódios recorrentes de candidíase14.
A resposta vaginal de hipersensibilidade mediada por IgE a candida albicans pode ser um cofator para CVVR em mulheres em risco. A liberação de histamina e prostaglandina E2 induz uma resposta inflamatória localizada e imunossupressão que favorece a proliferação de candida albicans. Confirmando essa teoria, um estudo interessante demonstrou que pacientes com CVVR apresentavam IgE no conteúdo vaginal, sugerindo uma resposta de hipersensibilidade localizada15.
O objetivo deste estudo foi quantificar o número de células de defesa (neutrófilos, linfócitos, monócitos e eosinófilos) presentes no sangue periférico de mulheres com CVVR e correlacionar com os níveis de IgE total e específica no sangue periférico.
Métodos
Seleção dos sujeitos
Foram incluídas neste estudo 60 mulheres atendidas por demanda espontânea em um ambulatório público no período de fevereiro a abril de 2009, sendo as 40 mulheres que apresentavam 3 ou mais episódios de candidíase vaginal no ano diagnosticadas por cultura positiva para cândida consideradas como grupo em estudo e 20 mulheres assintomáticas classificadas como grupo controle. Como critérios de exclusão, não foram consideradas elegíveis mulheres portadoras de doenças crônico-degenerativas, que faziam uso de medicamentos imunossupressores e antibióticos, grávidas, portadoras de doenças sexualmente transmissíveis, pacientes que praticaram atividade sexual e tenham utilizado duchas ginecológicas nas últimas 48 horas, estivessem em período menstrual e/ou fossem imunodeprimidas. Após anamnese os objetivos do estudo foram apresentados às mulheres, tendo sido incluídas apenas aquelas que aceitaram participar e assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido. Este estudo foi aprovado pelo Comité de Ética em Pesquisa da Universidade Potiguar.
As secreções vaginais foram coletadas no momento da consulta, com swab de algineto estéril. Em seguida, foram acondicionadas em tubo contendo solução salina estéril 0,85% e enviadas para o laboratório de microbiologia para posterior avaliação. As amostras de sangue (10 mL) foram obtidas de punção de sangue periférico venoso por sistema a vácuo (Becton Dickinson Vacutainer SST BD). Em resumo, tubos contendo anticoagulantes foram utilizados para acondicionar 4 mL de sangue, o qual foi utilizado para quantificar as células de defesa, e em tubos contendo gel separador sem anticoagulante (Becton Dickinson vacutainer SST BD) foi acondicionado 6 mL de sangue periférico, que foi submetido a processo de coagulação em temperatura ambiente e posteriormente submetido a centrifugação a 3000 Xz para obtenção de soro e realização da quantificação dos níveis de IgE sérica total e específica para candida albicans.
As secreções vaginais colhidas foram semeadas em Agar de Saboraud dextrose 4% (DIFCO) contendo clorafenicol (Sigma Aldrich) (0,15 g/L). As amostras processadas e incubadas a 37ºC por 72 horas. A interpretação das culturas foi baseada no seguinte ponto de corte: sem nenhum crescimento detectável ou até quatro colônias, era considerado negativo; acima de quatro colônias, era considerado positivo. Esse critério de avaliação foi baseado em resultados de culturas de pacientes assintomáticas levando-se em consideração que a candida é um micro-organismo comensal que faz parte da microbiota humana. Como método de triagem foi utilizado a bacterioscopia por Gram.
As leveduras isoladas foram identificadas de acordo com a metodologia clássica: por técnica de microcultivo e provas bioquímicas e fisiológicas, como assimilação e fermentação de carboidratos e assimilação de fontes de nitrogênio.
A contagem foi realizada em duplicatas por contador hematológico automatizado CELL DYN 3500 (Abbott Laboratories), que utiliza um sistema de impedância combinado com citometria de fluxo. A contagem diferencial de células de defesa foi revisada em esfregaço sanguíneo, no qual foi colocado 10 µl de sangue em lâmina de vidro com borda fosca e previamente identificada, sendo posteriormente realizada a distensão sanguínea. Em seguida, foi corada com corante Leishman (Merck do Brasil) e, após lavagem e secagem, a leitura foi realizada em microscopia óptica com a objetiva de imersão (X100).
Os níveis séricos de IgE total foram determinados pelo método de quimiluminescência, em aparelho Immulite 2000/ DPC MEDLAB USA, usando o kit Immulite 2000/DPC MEDLAB USA e seguindo-se todas as recomendações do fabricante. Os resultados foram emitidos conforme a emissão de luz interrupta que foi proporcional à concentração de IgE da amostra e expressos em UI/mL. As concentrações de IgE total foram obtidas por comparação das dosagens dos casos com os valores de uma curva de calibração com padrões de concentrações conhecidas.
Os níveis séricos de IgE específica foram determinados utilizando o método de Fluoroimonoensaio, usando o kit UniCAP (Pharmacia & Upjonh) para IgE específica anti-C. Albicans, seguindo-se todas as recomendações do fabricante.
A análise estatística foi realizada utilizando o software SPSS versão 10.0 (SPSS, Chicago, IL, EUA). O teste de Mann-Whitney foi utilizado para variáveis nominais e do teste de Spearman para correlações da concentração de IgE e de eosinófilos no sangue periférico. p<0,05 foi considerado significativo.
O protocolo de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Onofre Lopes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), todas as pacientes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido e a pesquisa foi conduzida de acordo com a Declaração de Helsinque revisada em 2008.
Resultados
O número de eosinófilos no sangue periférico de pacientes com CVV, 302,60 (±253,07), foi significativamente maior do que o do grupo controle, 175,75 (±109,24) (p=0,037). Neutrófilos, linfócitos e macrófagos também foram quantificados, mas não apresentam diferenças significativas (Tabela 1).
Correlacionando-se à contagem de eosinófilos no sangue periférico com as concentrações de IgE total sérica, foi encontrado uma associação positiva moderada (r=0,25) no grupo de pacientes portadoras de CVVR, o que não foi observado no grupo controle (r=0,0069) (Tabela 2).
Os níveis séricos de IgE total e específica foram semelhantes em ambos os grupos de mulheres com e sem CVVR (p=0,361). Entretanto, observou-se uma correlação positiva entre eosinofilia e níveis de IgE total no sangue periférico de mulheres com CVVR (Figura 1).
Discussão
A CVV é um problema significativo em algumas mulheres, e sua recorrência têm sido associada a processos alérgicos e alterações imunológicas15,16. Tradicionalmente, nos casos de alergias observa-se um aumento na população de eosinófilos. Neste estudo, verificou-se um aumento no número de eosinófilos no sangue periférico de pacientes com candidíase vaginal em comparação com o grupo de controle. Podemos inferir que exista uma resposta predominantemente TH2 (alérgica) entre as mulheres com CVV, refletindo talvez maior prevalência de pacientes alérgicos no grupo com CVVR.
Estudo recente confirma ainda um acréscimo importante na composição e variedade de fungos presentes na flora vaginal, como também um maior risco de aquisição de candidíase vaginal recorrente em mulheres chinesas que apresentavam rinite alérgica crônica16.
Por outro lado, estudos com pacientes com candidíase mucocutânea observou um aumento e/ou a ativação de eosinófilos no sangue periférico e na derme17. Talvez a infecção por candidíase por si só tenha um papel na ativação de eosinófilos no sangue periférico, uma vez que outros estudos também sugerem que a candida possa causar inflamação cutânea predominantemente composta por eosinófilos18.
Avaliando, entretanto, por outro prisma, a eosinofilia poderia ocorrer devido à resposta imune (alérgica) tipo TH2 induzida por anticorpos IgE específicos para candida18,19. Colaborando com esses achados, outros estudos19-21 concluíram que a resposta imune vaginal alérgica pode predispor uma candidíase crônica por indução da síntese de PGE2, que suprime a imunidade mediada por células. Fan et al.20 quantificaram IgE no fluido vaginal de mulheres com CVV e observaram maior concentração de imunoglobulina IgE em pacientes com a doença em comparação com os controles.
Semelhante a estudo anterior conduzido por Neves et al.15, no presente estudo, não encontramos diferenças significativas ao quantificar a IgE específica e total entre mulheres com e sem CVVR. No entanto, Carvalho et al.22, ao analisar anticorpos IgE específicos para candida em amostras de soro e lavado vaginal, relatou um ligeiro acréscimo nas concentrações séricas desses anticorpos em comparação com os valores encontrados em amostras vaginais, embora não tenham sido diferenças significativas. Esse fato contradiz outros resultados encontrados na literatura, sugerindo que a resposta de hipersensibilidade vaginal IgE-mediada específica para candida albicans poderia ser um cofator para vaginite recorrente em certos grupos de mulheres20.
Apesar desses achados interessantes que demonstram uma relação de eosinofilia no sangue e associação de IgE pressupondo um quadro com substrato de reação alérgica, os resultados do presente estudo devem ser analisados dentro de suas limitações, uma vez que as pacientes não se submeteram a testes alérgicos específicos.
Outra limitação que não pode ser esquecida está relacionada ao desenho do estudo, uma vez que se tratando de um corte transversal estas pacientes foram avaliadas em um único momento, não havendo, portanto, um seguimento posterior que possibilite descrever a evolução dos quadros clínicos de candidíase e sua associação posterior com alergias.
Recebido: 10/07/2013
Aceito com modificações: 04/10/2013
Conflito de interesses: não há.
Trabalho realizado no programa de pós-graduação em Ciências da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN Natal (RN), Brasil.