DOI: S0100-7203(13)03500200005 - volume 35 - Fevereiro 2013
Rafael Isolani Ferezin, Dennis Armando Bertolini, Izabel Galhardo Demarchi
Introdução
No Brasil, a qualidade e a humanização do atendimento à gestante são enfoques essenciais na atenção obstétrica e neonatal realizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS)1. Visando assegurar o nascimento de uma criança saudável e garantir o bem-estar de mãe e filho, estão inclusos na atenção pré-natal exames laboratoriais que detectam os principais agravos e riscos gestacionais1. Os exames sorológicos rotineiramente realizados para diagnóstico de doenças infecciosas de acordo com preconização pelo Ministério da Saúde (MS) incluem o Veneral Diseases Research Laboratory (VDRL) para diagnóstico da sífilis, testagem para o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), pesquisa de IgG e IgM para toxoplasmose e pesquisa do antígeno de superfície do vírus da hepatite B (HBsAg). A pesquisa para rubéola é indicada quando há sintomatologia sugestiva1.
A triagem sorológica para essas doenças é de suma importância na gestação, pois possibilita o tratamento precoce, evitando a ocorrência de malformações congênitas e/ou problemas tardios relacionados à hepatite B, toxoplasmose e síndrome da rubéola congênita (SRC)2-5. Quando detectado o HIV em gestante, o tratamento durante a gestação inibe em até 99% a transmissão materno-fetal do vírus. No caso de hepatite B, se a gestante for tratada com imunoglobulina contra o vírus da hepatite B e a criança receber a vacina nas primeiras doze horas após o nascimento, a transmissão congênita pode ser evitada de 85 a 95%4,6. As medidas profiláticas para evitar-se a toxoplasmose congênita incluem a realização da triagem sorológica no pré-natal e, uma vez diagnosticada a doença em fase aguda, submeter a gestante à terapia medicamentosa imediata, a qual pode reduzir significativamente a transmissão vertical7-10. A rubéola congênita pode ser evitada através de vacinação prévia e por medidas de higiene preventiva11.
A soroprevalência dessas infecções em gestantes varia nas diferentes regiões do Brasil12-16. Há poucos estudos realizados no Estado do Paraná12,17; no entanto não foram encontradas publicações sobre triagem sorológica em gestantes do noroeste desse Estado. Portanto, o objetivo deste estudo foi verificar a soroprevalência ao HIV, hepatite B, toxoplasmose e rubéola em gestantes nessa região do Estado.
Métodos
Realizou-se um estudo retrospectivo, no qual foram levantados a idade e os resultados de testes sorológicos utilizados no diagnóstico para HIV, VHB, toxoplasmose e rubéola de 1.534 gestantes provenientes de 29 municípios pertencentes à 15ª Regional de Saúde do Paraná. A idade das gestantes variou entre 14 e 44 anos, com média de 25,1 anos e desvio padrão de 6,5 anos. Das 1.534 pacientes envolvidas neste estudo, 354 (23,0%) enquadraram-se na idade de 14 a 19 anos, 813 (53,0%) de 20 a 29 anos e 367 (24,0%), de 30 a 44 anos.
As pacientes foram atendidas no Laboratório de Ensino e Pesquisa em Análises Clínicas (LEPAC), da Universidade Estadual de Maringá (UEM), entre 1° de janeiro e 31 de junho do ano de 2010. Foram incluídos apenas os resultados de exames realizados no primeiro atendimento pré-natal.
As pacientes encaminhadas ao LEPAC são oriundas do SUS, as quais tiveram solicitação médica para exames de pré-natal. No laboratório foi feita a coleta de amostras de sangue para obtenção de soro e realização dos exames solicitados, cujos resultados foram repassados às pacientes para tratamento e/ou orientação médica.
A dispensa do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi permitida pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos (COPEP) da Universidade Estadual de Maringá, n° do parecer 550/11.
O diagnóstico das infecções por HIV (triagem), VHB, Toxoplasma gondii e vírus da rubéola foi realizado por sorologia utilizando a tecnologia de enzimaimunoensaio em micropartícula (MEIA), automatizada em equipamento AxSYM (Abbott Laboratories, Abbott Park, Illinois), conforme as recomendações do fabricante.
As amostras foram consideradas reativas para anticorpos anti-HIV quando a razão amostra sobre cut-off (S/CO) foi ≥1,00; hepatite B quando S/CO≥2,00; para toxoplasmose IgG, amostras foram consideradas positivas quando S/CO≥3,0 UI/mL e inconclusivas quando entre 2,0 e 2,9 UI/mL, para IgM positivas quando S/CO≥0,600 UI/mL e inconclusivas quando entre 0,500 e 0,599 UI/mL. As amostras identificadas com resultado positivo ou inconclusivo para toxoplasmose foram encaminhadas para o Laboratório Central do Paraná (LACEN-PR) para a realização do teste de avidez de IgG, cujo resultado não tivemos acesso. Para rubéola, os resultados de IgG foram considerados positivos quando ≥10,0 UI/mL e inconclusivos quando entre 5,0 e 9,9 UI/mL. Já IgM, foram positivas as amostras com S/CO≥0,800 UI/mL e inconclusivas quando entre 0,600 e 0,799 UI/mL. Os pacientes com resultado inconclusivo para rubéola não tiveram interpretação laboratorial.
Nos testes de toxoplasmose e rubéola, os resultados positivos para IgG acompanhados de resultado negativo para IgM foram considerados indicativos de cicatriz sorológica e imunização à doença: os do tipo IgM foram considerados indicativos de infecção recente independente de o resultado de IgG ser positivo ou negativo. Somente os resultados de sorologia com pesquisa simultânea de IgG ou IgM foram incluídos nesse estudo.
Para a comparação da distribuição da variável faixa etária e a soroprevalência, foi utilizado o teste do χ2 ou teste exato de Fisher usando o software STATA 9.1, com intervalo de confiança de 95%. A Odds Ratio (OR) foi utilizada para avaliar a força de associação entre a variável faixa etária e a soroprevalência.
Resultados
Do total de gestantes incluídas, 1.508 foram submetidas ao teste anti-HIV e quatro (0,3%) tiveram o resultado reagente, e não se mostrou associação estatística com a idade. A pesquisa de HBsAg foi realizada em 1.483 gestantes e a frequência de positivos foi de 0,5% (oito gestantes), porém em relação à faixa etária não houve diferença significativa na distribuição das pacientes (Tabela 1).
Com relação à toxoplasmose, em 97,7% (1.498) das gestantes foi examinado o anticorpo IgG e o IgM, com positividade de 59% (883) e 1,1% (16 casos), respectivamente. Houve diferença significativa entre as faixas etárias quanto à reatividade para IgG -anti-Toxoplasma gondii, que se mostrou mais frequente em pacientes com idade entre 30 e 44 anos (p<0,001) e de 20 a 29 anos (p<0,001). Na faixa etária dos 30 aos 44 anos, a frequência de IgG anti-T. gondii foi de 69,6%, enquanto entre as pacientes de 20 e 29 anos foi de 59,4% e, entre 14 a 19 anos, foi de 46,8%. As gestantes com idade de 30 a 44 anos tiveram uma probabilidade três vezes maior de ter IgG positiva para toxoplasmose em relação às mais jovens. Para IgM anti-T. gondii não houve diferença significativa quanto a esse aspecto (Tabela 1), permanecendo as três faixas etárias com negatividade superior a 97%. Das 16 pacientes IgM positivas, 14 também tinham positividade para IgG, uma apresentou resultado inconclusivo (zona cinza) e outra resultado negativo para essa classe de anticorpo.
Quanto à sorologia para rubéola, 223 gestantes foram testadas e a frequência de IgG foi de 99,6% (222) e não houve casos positivos para IgM. Nenhuma faixa etária demonstrou diferença significativa quanto à reatividade dos testes, tanto para IgG quanto para IgM (Tabela 1).
Discussão
Este estudo detectou uma frequência de 0,3% de sorologia positiva para o HIV nas gestantes testadas do noroeste do Paraná. Em Londrina, ainda no Paraná, verificou-se 0,6%12 de positividade para o HIV; Campo Grande (MS), 0,2%13;São José do Rio Preto (SP), 2,1%14; Sergipe 0,1%15; Caxias do Sul (RS) 2,7%16; e na Amazônia ocidental, 0,6%17. Esses estudos referidos realizaram a pesquisa de HIV pela técnica de enzimaimunoensaio (ELISA) e nenhum evidenciou relação entre a frequência do anticorpo e a faixa etária.
Devido à eficácia das medidas disponíveis para evitar a infecção pelo HIV, atualmente a Organização Mundial da Saúde considera uma meta realista a total eliminação da ocorrência de novas infecções e mortes relacionadas ao vírus. Portanto, o diagnóstico no pré-natal é imprescindível no intuito de monitorar a existência de gestantes soropositivas e evitar infecções congênitas2.
O índice de positividade de 0,5% para hepatite B se assemelha aos relatos da literatura que mostram 0,8% de positividade para VHB em Londrina12, 0,3% em Campo Grande13, 0,5% em Goiânia (GO)18, 0,6% em Recife (PE)19, 1,8% em São José do Rio Preto14 e 0,7% na Amazônia ocidental17, todos esses estudos utilizaram a técnica de ELISA. Como a infecção neonatal por hepatite B gera mais risco de cronificação da doença e evolução para cirrose e hepatocarcinoma3, e diante da persistente prevalência da infecção entre a população, é extremamente importante realizar a sorologia de triagem no pré-natal a fim de iniciar o tratamento precocemente, ou mesmo evitar a transmissão vertical4.
Os resultados sorológicos para toxoplasmose demonstraram positividade baixa para anticorpos do tipo IgM e alta para IgG. Em Londrina observou-se 1,8% de positividade para IgM e 67% para IgG12; em Cascavel no Paraná, a prevalência de IgG foi de 54% e IgM de 1,2%20; em Campo Grande de 0,4% para IgM e 91% para IgG13; em Goiânia de 0,7% para IgM e de 67,7% para IgG21; no Estado de Sergipe 0,4% para IgM e 69,3% para IgG15; em São José do Rio Preto 3,4% para IgM e 62% para IgG14 e; em Caxias do Sul verificou-se frequência de IgM de 1,8%16. Isso demonstra que entre as gestantes incluídas neste estudo há uma menor frequência de contato prévio com o T. gondii em relação a algumas regiões do país, como Sergipe e Campo Grande. Além disso, vale ressaltar que esses estudos utilizaram a técnica de ELISA.
Em relação à faixa etária, semelhante ao estudo atual, em Sergipe foi relatado um aumento da prevalência do anticorpo IgG anti-T.gondii com o aumento da idade15. A toxoplasmose congênita pode ser evitada com terapia medicamentosa específica durante a gestação, o que previne as graves consequências para a criança5.
No presente estudo, a sorologia para rubéola não detectou nenhuma paciente positiva para IgM e a maioria possuía anticorpos IgG contra o vírus. No município de Londrina, a frequência encontrada de IgM foi 1,2% e de IgG 89%12, em São José do Rio Preto o IgM chegou a 0,6% e IgG, 93,1%14; Campo Grande 0,1% para IgM e 87,9% para IgG13, no Estado de Sergipe 0,1% para IgM e 71,6% para IgG15 e em Caxias do Sul a frequência de IgM encontrada foi de 1%16, esses estudos utilizaram o método de ELISA para dosagem de anticorpos. No estudo realizado em Campo Grande a frequência de positividade para rubéola IgG mostrou relação com a faixa etária. O estudo aponta menor susceptibilidade à doença em pacientes com mais de 31 anos13.
A alta taxa de gestantes com IgG positivo contra o vírus da rubéola no presente trabalho demonstra uma boa imunização nas mulheres do noroeste paranaense. Sugere-se que uma contínua e abrangente cobertura vacinal poderá resultar em baixa incidência dessa infecção em gestantes e, consequentemente, da síndrome da rubéola congênita (SRC) que ainda vem ocorrendo em algumas regiões do Brasil. Em 2008, 48 novos casos de SRC foram notificados no país e, em 2009, 15 casos11. Isso pode ser alcançado a partir de campanhas de vacinação, efetivas estratégias para conscientização da população e monitoramento da rubéola através de um programa abrangente de triagem diagnóstica. Diante dos resultados obtidos, é possível sugerir que se mantenha a preconização do MS de sorologia para rubéola no pré-natal somente quando houver suspeita clínica.
Este estudo possui algumas limitações importantes, as quais incluem o curto período de coleta de dados, a ausência da informação do período gestacional da paciente e o delineamento do estudo, pois os estudos trans-versais não são os mais adequados para se investigar fatores de risco.
A frequência dessas doenças infecciosas em gestantes do noroeste do Paraná se mostrou compatível com outros estudos realizados no Brasil. Sugere-se que pesquisas sobre a prevalência e incidência destas doenças em gestantes sejam incentivadas, para possibilitar o planejamento de estratégias em prevenção, profilaxia e tratamento dessas infecções, evitando a sua transmissão vertical e os possíveis danos à saúde dos recém-nascidos, que, na maioria das vezes, provocam sequelas irreparáveis com consequente elevação de custos para o sistema de saúde.
Recebido em 19/07/2012
Aceito com modificações 12/12/2012
Conflito de interesses: não há
Trabalho realizado no Departamento de Análises Clínicas e Biomedicina, Universidade Estadual de Maringá - UEM - Maringá (PR), Brasil.