DOI: S0100-7203(13)03500500004 - volume 35 - Maio 2013
André Luiz da Silva Teixeira, Érica Condé Marques e Oliveira, Marcelo Ricardo Cabral Dias
Introdução
A síndrome pré-menstrual (SPM) é caracterizada pela ocorrência repetitiva de um conjunto de alterações físicas, do humor, cognitivas e comportamentais, que interferem negativamente nas atividades diárias, com início em torno de duas semanas antes da menstruação e alívio rápido após o início do fluxo menstrual1-3.
Em um estudo populacional, verificou-se que 96,6% das mulheres apresentavam pelo menos 1 sintoma durante o período pré-menstrual e que 37,5% possuíam alta pontuação na escala de sintomas pré-menstruais4. No Brasil, em um estudo retrospectivo com 254 mulheres, observou-se a prevalência de 43,3% da SPM autoaferida5. Em outro estudo, a prevalência foi de 25,2% em 1.395 mulheres entrevistadas no domicílio6. Entretanto, o instrumento mais rigorosamente elaborado para a avaliação da SPM é o Registro de Sintomas Diários (Daily Symptom Report), publicado por Freeman, DeRubeis e Rickels7, o qual leva em consideração 17 sintomas de ocorrência comum no desconforto pré-menstrual que devem ser pontuados em uma escala de 5 pontos de acordo com sua gravidade.
A SPM pode ser influenciada pela idade, pela regularidade menstrual, pela escolaridade, pelo nível socioeconômico e pelo uso de contraceptivos hormonais6,8-10, atingindo tanto atletas11,12, quanto não atletas8,9. A literatura demonstra que a prática de exercícios físicos pode diminuir os sintomas pré-menstruais13-17 e, apesar de não estar bem esclarecido qual o melhor tipo (aeróbio ou resistido), a intensidade e a duração do treinamento, o American College of Obstetrician and Gynecologists18 recomenda a prática regular de exercícios físicos como um dos tratamentos não medicamentosos da SPM.
No entanto, em nossa revisão literária, não foi possível encontrar nenhum estudo associando o nível de atividade física (NAF) com a incidência da SPM. O presente estudo teve como objetivo testar as hipóteses de que: existe uma correlação negativa entre o NAF e a magnitude da ocorrência da SPM, e mulheres com diagnóstico positivo para SPM possuem um menor NAF do que as mulheres saudáveis.
Métodos
Trata-se de um estudo transversal quase experimental realizado em universitárias que foram recrutadas por conveniência. Como critério de inclusão, as participantes deveriam: ser aparentemente saudáveis; ter idade entre 18 e 35 anos e ter o ciclo menstrual regular entre 25 e 40 dias19. Foram excluídas da amostra aquelas que: reportaram histórico de qualquer distúrbio relacionado ao sistema endócrino; haviam tido pelo menos uma gestação e as que tivessem intenção de engravidar nos três meses subsequentes ao estudo. Após os critérios de inclusão e exclusão e por desistências ao longo da coleta de dados, a amostra final foi composta por 71 mulheres.
Após concordarem em participar da pesquisa, todas assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido que atende a resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. A presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em pesquisa da Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora, MG (parecer nº 011/10).
Para caracterização da amostra, foi verificado o peso e a estatura através de uma balança digital Filizolla® e um estadiômetro com precisão milimétrica Sanny® respectivamente, possibilitando assim o cálculo do índice de massa corporal (IMC). As características descritivas das participantes estão apresentadas na Tabela 1.
Para mensurar o NAF foi aplicado o questionário de Baecke, Burema e Frijters20, validado no Brasil por Florindo e Latorre21, o qual permite a obtenção de escores do NAF em três domínios: ocupacional, exercício físico/esporte e lazer/locomoção. O domínio ocupacional leva em consideração o gasto energético durante a atividade profissional. O domínio exercício físico/esporte considera a prática sistematizada de algum esporte ou exercício físico no período de 12 meses e seu gasto energético médio. Já o domínio lazer/locomoção considera o gasto energético das atividades realizadas no tempo livre e o tempo de locomoção diária através de caminhada e/ou bicicleta. Foi considerado como valor representativo do NAF, o escore total obtido no questionário. Intencionalmente, dentro da amostra estudada havia mulheres sedentárias, recreacionalmente ativas e atletas amadoras.
Para análise da SPM, foi utilizado o critério proposto por Freeman, DeRubeis e Rickels7, o qual considera-se 17 sintomas pré-menstruais. Para tal, as voluntárias receberam uma ficha autoaplicável com o Registro de Sintomas Diários por dois ciclos menstruais consecutivos, iniciando no primeiro dia da menstruação12. Os sintomas foram pontuados em uma escala de 5 pontos (0 a 4) de acordo com sua ocorrência, sendo considerado: 0=ausente; 1=mínimo (apenas levemente aparente para você); 2=moderado (o sintoma é perceptível, mas não altera a rotina diária); 3=muito (continuamente incômoda pelo sintoma e/ou o sintoma interfere na atividade diária); 4=grave (o sintoma é maior do que se pode controlar/suportar e/ou impossibilita o prosseguimento da atividade diária)7.
Foi considerada a ocorrência da SPM se três ou mais sintomas fossem relatados até seis dias antes da menstruação (fase pré-menstrual) e ausentes nos seis dias após (fase pós-menstrual). Além disso, foi calculado um escore em cada ciclo somando os valores da fase pré-menstrual e subtraindo pelos valores da fase pós-menstrual. A cada semana, foi realizada a troca de diários; e após a aplicação dos questionários, a amostra foi dividida em um grupo com diagnóstico positivo para SPM (n=31) e um grupo saudável (n=40).
Para a análise estatística, foi realizado o teste de normalidade de Kolmogorov-Smirnov e igualdade de variância pelo critério de Levene. Como os dados não apresentaram distribuição normal, foi utilizada uma estatística não paramétrica. Para verificar a relação entre o NAF e o escore do questionário da SPM, utilizou-se a correlação de Spearman. Para verificar a diferença no NAF entre o grupo com diagnóstico positivo para SPM e o grupo saudável, foi utilizado o teste de Mann-Whitney. Todos os dados foram analisados através do pacote estatístico SPSS 19.0 (SPSS Inc., Chicago, USA) com nível de significância de p<0,05.
Resultados
Foi observada uma correlação fraca, porém significativa e negativa entre o NAF e o escore obtido pelo questionário de sintomas pré-menstruais (r=-0,506; IC95% -0,335 a -0,678; p<0,001), demonstrando que quanto maior o NAF, menor é a incidência da SPM, sendo que 26,3% da variação no escore de sintomas podem ser explicados pelo NAF (Figura 1). Quando a amostra foi dividida pela ocorrência da SPM, foi verificado que as mulheres com diagnóstico de SPM (n=31) possuem um NAF significativamente menor do que as mulheres saudáveis (n=40) (SPM: 6,63±1,20; saudável: 7,96±1,17; p<0,001) (Figura 2).
Adicionalmente, observou-se que os sintomas pré-menstruais com maior prevalência foram: ansiedade, tensão nervosa, irritabilidade, choro e insônia, seguidos por depressão, mudanças de humor, cefaleia e fadiga (Tabela 2).
Discussão
O presente estudo teve como objetivo verificar a relação entre o NAF e a incidência da SPM. Os resultados confirmaram as hipóteses de que: quanto maior o NAF, menor é a magnitude dos sintomas pré-menstruais; e mulheres com diagnóstico positivo para SPM possuem um menor NAF do que as mulheres saudáveis. Esses resultados são de grande relevância clínica, pois demonstram que a prática de exercícios físicos pode ser benéfica na prevenção e/ou tratamento da SPM, corroborando assim com o posicionamento do American College of Obstetrician and Gynecologists18 que recomenda a prática regular de exercícios físicos como um dos tratamentos não medicamentosos da SPM.
Alguns estudos demonstraram que um programa de treinamento físico foi eficaz em diminuir os sintomas da SPM13-17. Prior, Vigna e Alojado14 verificaram que três meses de treinamento aeróbio reduziram os sintomas pré-menstruais em um grupo de oito mulheres previamente sedentárias. O treinamento foi composto de 2 a 4 sessões de 10 a 15 minutos de corrida por semana, sendo que foram realizados incrementos no volume e na intensidade do treinamento durante o delineamento experimental do estudo. Além disso, seis mulheres permaneceram sedentárias compondo um grupo controle, e não foram observadas diferenças significativas nos sintomas pré-menstruais no grupo que permaneceu sedentário. Outros autores demonstraram que 24 semanas de exercício aeróbio moderado (esteira, bicicleta ou escada) realizado 3 vezes na semana e intensidade entre 60 a 85% da frequência cardíaca máxima reduziram os sintomas pré-menstruais em 14 mulheres previamente sedentárias16. Nesse mesmo estudo, os autores verificaram que mulheres que são fisicamente ativas possuem menores escores de sintomas pré-menstruais do que as mulheres sedentárias16.
Uma explicação pertinente para os resultados da presente pesquisa é que a prática regular de exercícios físicos pode atenuar alguns sintomas da SPM, entre eles os sintomas de grande prevalência como ansiedade e depressão22-29. Já foi demonstrado que 12 semanas de treinamento com pesos reduziram os níveis de ansiedade em 11 sujeitos (6 homens e 5 mulheres) após acidente vascular isquêmico22. Curiosamente, outros autores23 dividiram 156 sujeitos em 3 grupos para o tratamento da depressão: 1) exercício; 2) medicamento; e 3) exercício e medicamento combinado. Após quatro meses de intervenção, todos os grupos apresentaram melhorias nos escores da depressão, no entanto após seis meses do término da intervenção, o grupo que fez apenas exercício apresentou menores taxas de depressão do que o grupo que recebeu o tratamento medicamentoso.
Ao contrário do que vem sendo discutido, foi encontrada uma prevalência de 71% da SPM11 em atletas de handebol. Posteriormente, também foi demonstrada uma alta prevalência da SPM (48%) em 57 atletas de 11 modalidades esportivas, o que nos permite especular que o exercício físico quando realizado de forma exacerbada pode não ser benéfico para atenuar os sintomas da SPM. No presente estudo, como não havia atletas de alto rendimento compondo a amostra, não foi possível confirmar essa hipótese.
Como todo estudo de caráter experimental, a presente pesquisa possui algumas limitações metodológicas como a falta de controle do uso de contraceptivos hormonais. Já foi demonstrado que a SPM pode ser influenciada pelo uso de contraceptivos10. Sugere-se que pesquisas futuras sejam desenvolvidas levando em consideração o uso de agentes contraceptivos, o tipo de exercício físico e a inclusão de atletas de alto rendimento para maiores esclarecimentos sobre a relação entre o NAF e a incidência da SPM.
Em síntese, de acordo com os resultados obtidos e levando em consideração as limitações da presente pesquisa, podemos concluir que o NAF está relacionado com a incidência da SPM, sendo que quanto maior o NAF habitual, menor é a magnitude dos sintomas pré-menstruais, e ainda, mulheres com diagnóstico positivo para SPM possuem um NAF menor que as mulheres saudáveis, demonstrando assim uma preliminar evidência de que a prática regular de exercícios físicos pode auxiliar no tratamento e/ou prevenção da SPM.
Recebido 17/01/2013
Aceito com modificações 26/04/2013
Trabalho realizado no Laboratório de Fisiologia do Exercício e Avaliação Morfofuncional (LabFex) da Faculdade de Educação Física do Instituto Metodista Granbery - IMG - Juiz de Fora (MG), Brasil.
Conflito de interesse: não há.