DOI: S0100-7203(13)03500500008 - volume 35 - Maio 2013
Aniela Angerame Yela, Nathalia Marchiani
Introdução
A implantação de uma gravidez na cicatriz de cesárea é considerada a apresentação mais rara de uma gravidez ectópica e de elevada morbimortalidade1. O primeiro caso foi descrito em 1978 por Larsen e Solomon e sua incidência vem aumentando devido ao aumento das taxas de parto cesárea e maior acurácia da ultrassonografia para diagnóstico2. A incidência estimada é de 1 para 1.800 em até 1 para 2.216 gravidezes, com uma taxa de 6,1% de todas as gestações ectópicas em mulheres com antecedente de uma cesárea anterior3,4.
A gravidez na cicatriz de cesárea pode causar complicações catastróficas como ruptura uterina que causa uma grave hemorragia com risco de vida e leva a histerectomia que compromete o futuro reprodutivo5.
Atualmente, são descritas inúmeras técnicas de tratamento conservador para este tipo de gestação ectópica, embora não haja consenso sobre a melhor forma delas. Dentre estas modalidades de tratamento podemos citar o metotrexato, a embolização das artérias uterinas, a curetagem, a histeroscopia e a laparoscopia, isolados ou associados6.
Relatamos um caso que foi tratado conservadoramente com metotrexato, embolização da artéria uterina e curetagem com sucesso.
Relato do caso
Gestante de 28 anos, secundigesta com uma cesárea anterior com queixa de atraso menstrual de três meses e sangramento vaginal há onze dias. Foi encaminhada ao Centro de Atenção Integral da Mulher (CAISM), UNICAMP no dia 18 de maio de 2011 com ultra-sonografia de dez dias antes que mostrava gestação de 7 semanas e 1 dia, com batimentos cardíacos fetais (BCF) presentes, com implantação do saco gestacional em região istmo-cervical infiltrando miométrio até serosa. Gestante encontrava-se hemodinamicamente estável, com sangramento discreto via vaginal e colo impérvio ao toque vaginal. Exames laboratoriais normais (hemograma, coagulograma, função renal e hepática), com hemoglobina de 12,1g/dL e β-hCG 89,722 mUI/mL. A ultra-sonografia deste dia evidenciava gestação de 7 semanas e 1 dia (CCN 10,5mm) com volume uterino de 308,5 cm3, com saco gestacional de 24x17x22 mm com embrião vivo implantado em topografia de histerorrafia estendendo-se até serosa desta região e presença de hematoma em região fúndica do útero de 58x24x37 mm (V=65 mL) (Figuras 1 e 2).
No dia seguinte, foi submetida à aplicação de 79 mg de metotrexato intraovular. Após os procedimentos BCF não foram evidenciados. Evoluiu com sangramento e diminuição dos níveis de hemoglobina (10,6 g/dL) e então foi submetida à aplicação de 91,5 mg de metotrexato intramuscular. Após, a ultrassonografia mostrava embrião (CCN 9 mm) com BCF ausente, com saco gestacional de 32x19x32 mm implantado em região de histerorrafia e hematoma de 95x34x80 mm (V=137 mL).
Durante seu acompanhamento, a paciente mantinha-se estável, sem sangramento via vaginal e com regressão do hematoma e do saco gestacional a ultrassonografia houve redução dos níveis de β-hCG (43.369 mUI/mL). Recebeu alta após oito dias de internação com orientação de retorno em uma semana para controle.
A paciente retorna com β-hCG de 17,908 mUI/mL, mas com aumento do saco gestacional (37x13x25 mm). Como a paciente encontrava-se estável e com desejo de preservar sua fertilidade, optou-se por acompanhamento clínico.
Após uma semana, a paciente retornou com queixa de sangramento via vaginal intenso com duração de três dias. Ao exame, apresentava-se descorada com sinais vitais estáveis e com colo impérvio ao toque. Apresentava níveis de hemoglobina de 8,6 g/dL e imagem ecográfica mantida. A paciente foi internada mantendo sangramento e redução dos níveis de hemoglobina (7,9 g/dL) e foi submetida então à curetagem uterina com saída de moderada quantidade de restos e introdução de sonda Foley número 20 com insuflação de 35 mL de soro no balão no interior do útero para tamponar o sangramento. Devido à hemoglobina de 6,9 g/dL, a paciente foi submetida à transfusão de três bolsas de sangue. Após o procedimento apresentava hemoglobina de 8,5 g/dL. Retirada a sonda Foley após 24 horas houve diminuição do sangramento, porém com nova diminuição dos níveis de hemoglobina (7,6 g/dL). A ultrassonografia evidenciava um conteúdo complexo com grande vascularização em topografia de istmo de 77x57x77 mm compatível com coágulos e restos ovulares (Figura 3).
Devido ao desejo da paciente de preservar seu útero, esta foi submetida à embolização das artérias uterinas com boa evolução e diminuição do sangramento e melhora nos níveis de hemoglobina (8,6 g/dL). A ultrassonografia após embolização mostrava o mesmo conteúdo em região de istmo com diminuição da vascularização e então a paciente foi submetida à curetagem uterina guiada por ultrassom, sendo necessária transfusão de uma bolsa de sangue durante o procedimento. Recebeu alta no dia seguinte em bom estado geral com discreto sangramento e com hemoglobina de 9 g/dL e β-hCG de 1,026 mUI/mL. Após dois dias da alta, a ultrassonografia mostrava imagem ecogênica em região anterior do útero de 14x17x26 mm, sem fluxo a doplervelocimetria e β-hCG de 196 mUI/mL e, após 12 dias, mostrava sinais de processo cicatricial em topografia istmo uterino com β-hCG de 4,3 mUI/mL. Após oito meses de evolução, a ultrassonografia mostrava-se normal com útero de 68,5 cm3 de volume.
Discussão
A gravidez ectópica em cicatriz de cesárea é rara. Desde o primeiro caso descrito em 1978 até 2001, só haviam sido reportados 19 casos, até 2006 havia 155 casos e até 2011 o número de casos descritos na literatura era de 751, mostrando um rápido aumento na incidência deste tipo de gestação ectópica1,7-10.
Desde o advento da ultrassonografia transvaginal, esse tipo de gravidez ectópica, que costumava ser tratada com histerectomia na maioria dos casos por ruptura uterina e intenso sangramento, pôde ser diagnosticada precocemente e tratada de maneira conservadora, preservando a fertilidade11. A ultrassonografia apresenta uma sensibilidade de 84,6% para a detecção deste tipo de gestação ectópica7. Mesmo assim, há critérios ultrassonográficos rigorosos para se fazer o diagnóstico diferencial com aborto em curso e gravidez cervical. Dentre estes citamos cavidade uterina vazia, canal cervical vazio, desenvolvimento do saco gestacional na parede anterior do istmo e ausência de tecido miometrial normal entre a bexiga e o saco gestacional11,12. Outra forma para o diagnóstico de gestação ectópica em cicatriz de cesárea é a ressonância nuclear magnética13.
Várias opções de tratamento conservador têm sido descritas na literatura para preservar a fertilidade das mulheres com esse diagnóstico, embora não haja consenso sobre a melhor modalidade de tratamento. Dentre elas podemos incluir a administração local ou sistêmica de metotrexato, curetagem uterina, histeroscopia, laparoscopia ou laparotomia para retirada do tecido ectópico e embolização de artéria uterina10,14,15.
Em uma revisão de literatura, concluiu-se que administração sistêmica de metotrexato é uma alternativa para pacientes estáveis hemodinamicamente e a administração local de metotrexato ou cloreto de potássio guiado por ultrassonografia é outra opção. Após esses procedimentos, deve-se realizar a aspiração cirúrgica do conteúdo guiado por ultrassonografia16. O metotrexato pode causar complicações como: leucopenia, alopecia, estomatite, náuseas e vômitos, disfunção hepática ou renal, infecção genital, além de hemorragia vaginal17. Um estudo alemão publicou 55 casos de ectópica em cicatriz de cesárea tratadas entre 1996 a 2007 com metotrexato local e sistêmico, dos quais 34 com sucesso18. Um estudo recente com esta modalidade de tratamento mostrou que ele é muito efetivo, mas que níveis de β-hCG maiores que 20,000 necessitam de mais de uma aplicação de metotrexato para resolução do quadro14.
Em nosso caso, após a curetagem a paciente apresentou sangramento vaginal intenso que foi controlado parcialmente com uso de sonda Foley. Na literatura, um estudo com 45 mulheres que foram tratadas com metotrexato sistêmico seguido de curetagem e uso de sonda Foley para controle do sangramento, mostrou que em apenas três mulheres o tratamento não teve sucesso19.
Outra opção de tratamento conservador é a retirada do conteúdo intrauterino por histeroscopia. Foram descritos poucos casos na literatura em gestações ectópicas iniciais6. Recentemente, um estudo utilizou a histeroscopia para tratamento da gestação ectópica da cicatriz em 11 pacientes com sucesso sendo que em uma foi associado com embolização uterina e nas outras 10, associados ao uso de metotrexato20. Outra opção para a remoção da gestação ectópica da cicatriz uterina é através da laparoscopia. Para prevenir a hemorragia, os estudos mostram que antes da laparoscopia é realizada a ligadura da artéria hipogástrica bilateralmente, a embolização das artérias uterinas ou a aplicação de vasopressina intra miometrial21.
Atualmente, a embolização da artéria uterina vem sendo a opção para o tratamento conservador da gravidez ectópica em cicatriz de cesárea. Essa forma de intervenção pode ter como complicações: tromboembolismo, febre, dor abdominal, infecção pélvica, fistula vesical, atrofia endometrial e falência prematura ovariana7. Esta abordagem apresenta um índice de sucesso elevado quando associada à administração de metotrexato, ou apenas associada à curetagem pós embolização6,15,22-24.
Um artigo de revisão no qual se avaliou 22 artigos publicados até 2012 com 239 casos, mostrou uma taxa de sucesso com tratamentos conservadores de 99,1%. Como em nosso caso, a curetagem uterina foi realizada após 24 - 72 horas da embolizaçao25. A resolução da gestação ectópica em cicatriz de cesárea com tratamento conservador varia de 20 a 75 dias26 e a negativação do valor de β-hCG demora de 30 a 60 dias9,27. Em nosso caso, a resolução do quadro foi em 31 dias e a negativação do β-hCG ocorre em 43 dias.
Recentemente, um artigo chinês mostrou que os sintomas deste tipo de gestação ectópica são inespecíficos e que o diagnóstico é feito pela ultrassonografia e que a melhor escolha de tratamento é a curetagem uterina após uso de metotrexato ou embolização da artéria uterina28.
Recebido 04/03/2013
Aceito com modificações 03/05/2013
Trabalho realizado no Departamento de Tocoginecologia da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - Campinas (SP), Brasil.