DOI: S0100-7203(13)03500700008 - volume 35 - Julho 2013
David Barreira Gomes Sobrinho, Rogério Gonçalves Vasconcelos, Bruno Ramalho de Carvalho, Verônica Maria Gonçalves Furtado, Faruk Antônio Hamidah Ramos, José Paulo da Silva Netto, Marta Alves Freitas
Introdução
O tumor estromal esclerosante (TEE) de ovário é uma neoplasia benigna extremamente rara, que foi descrita pela primeira vez por Chalvardjian e Scully, em 19731. Ao contrário dos outros tumores ovarianos do estroma dos cordões sexuais, que tendem a ocorrer na quinta e sexta década de vida, o TEE de ovário atinge predominantemente mulheres jovens, na segunda ou terceira décadas2,3.
Pouco mais de 100 casos de TEE de ovário foram descritos4-8, alguns associados à síndrome de Meigs e elevação do antígeno carboidrato 125 (CA-125)9-12 e apenas oito foram diagnosticados durante a gestação13-16. A maior parte das pacientes que apresentaram ascite tem elevação do CA-1259-14, porém não se observa um padrão de manifestações associadas em gestantes13-16.
Neste relato, documentamos a primeira associação entre o TEE de ovário, a elevação do CA-125, a síndrome de Meigs e a gravidez a termo.
Descrição do caso
Paciente de 17 anos, sexo feminino, casada, primigesta, com tempo de amenorreia de 8 semanas e 5 dias, admitida na enfermaria de gestação de alto risco para investigação de dispneia moderada associada a aumento do volume abdominal. À internação apresentava-se em bom estado geral, hidratada e corada. O exame físico permitia constatar ausência de murmúrio vesicular na metade inferior do hemitórax direito e distensão abdominal significativa (Figura 1A), com sinal de onda líquida positivo, ausência de massa palpável. Ao exame ginecológico, apresentava edema dos lábios maiores, mais intenso à direita (Figura 1B).
Durante a primeira semana de internação, a ultrassonografia abdominal complementada por via endovaginal identificou gravidez tópica única compatível com o tempo de amenorreia (Figura 2A) e massa anexial heterogênea à direita, predominantemente sólida, com áreas císticas em seu interior, volume de 221,3 cm3 e vascularização periférica, escassa, mas de baixa resistência (Figura 2B). O radiograma do tórax revelou hidrotórax à direita (Figura 3A) e a dosagem sérica do marcador CA-125 foi 625mg/dL. Demais exames complementares apresentaram resultados normais.
Diante da piora progressiva da dispneia e, considerando que os achados não eram capazes de excluir malignidade, no décimo quarto dia de internação optou-se por intervenção cirúrgica por via laparotômica com incisão mediana infra-umbilical (Figura 4A), realizando-se salpingooforectomia unilateral direita e drenagem aspirativa de 20 L de líquido ascítico (Figura 4B). A paciente foi medicada com progesterona natural micronizada 200 mg/dia por via vaginal iniciando dois dias antes da intervenção cirúrgica e mantida até o fim da 14ª semana, a fim de preservar a gestação. Evoluiu bem no pós-operatório, recebendo alta hospitalar no 3º dia. Antes da alta, foi realizada nova radiografia de tórax de controle, que evidenciou completa regressão do hidrotórax (Figura 3B).
À avaliação macroscópica, o tumor era sólido, bem delimitado, com áreas císticas e com focos amarelados (Figura 5A). À microscopia, notam-se áreas mal definidas, pseudolobulares, densamente celulares, separadas por um estroma fibroedematoso (Figura 5B). Nas áreas pseudolobulares, as células se apresentavam ora fusiformes, ora arredondadas e ovais, correspondendo às células luteinizadas, com características degenerativas (Figura 5C). O citoplasma das células era vacuolizado e continha lipídios; notando-se, ainda, uma fina trama de vasos delicados e congestos (Figura 5C). O laudo anatomopatológico da massa ovariana revelou tratar-se de tumor estromal esclerosante de ovário.
O acompanhamento ambulatorial de pré-natal no alto risco prosseguiu sem intercorrência até o parto vaginal com idade gestacional de 39 semanas e 3 dias, com nascimento de feto vivo, sexo masculino, pesando 3.050 g, em boas condições clínicas aparentes. Após sete anos de acompanhamento ambulatorial, a paciente não apresentou recidiva.
Discussão
O tumor estromal esclerosante representa 2 a 6% dos tumores do estroma ovariano, e mais de 80% ocorrem na segunda ou terceira décadas de vida, que corresponde a faixa etária da paciente apresentada neste caso3,17. Ocasionalmente, observa-se virilização7,8. Na maioria das vezes, surge sem sintomas específicos, associado à irregularidade menstrual e dor pélvica3. Durante a evolução, a paciente não apresentou sintomas específicos, exceto quando o volume abdominal se tornou excessivo e não se justificava pela gestação ainda incipiente.
A investigação realizada com exames complementares não excluía a possibilidade de doença maligna, uma vez que o nível sérico de CA-125 acima de 600 mg/dL poderia também estar associado a condições não neoplásicas, como gravidez precoce e ascite, ou à combinação destas14.
Os exames de imagem são capazes de destacar características peculiares do TEE de ovário, entretanto não há característica patognomônica. À ultrassonografia (US), observa-se que TEEO apresenta-se como um tumor com componentes císticos multiloculares com septos e paredes tumorais irregularmente densas. A massa interna é heterogênea, apresentando predominância sólida, com áreas císticas em seu interior, o que torna impossível a diferenciação quanto à malignidade apenas por US18. À doplerfluxometria, demonstra vascularização periférica e central proeminente19. Os achados característicos à Ressonância Nuclear Magnética (RNM) e à Tomografia Computadorizada (TC) são de massa em região anexial de volume variável, com sinal de intensidade alta do componente cístico, enquanto aqueles do componente sólido são pouco homogêneos e variam entre intermediário a alto18. Nas imagens com contraste dinâmico, os tumores apresentam, no início, concentração acentuada na periferia com progressão centrípeta com acentuado contraste predominantemente no componente sólido no início da injeção de contraste18. No caso desta paciente, a US apresentava vascularização apenas periférica, porém a massa heterogênea com componente cístico-sólida indicava uma possibilidade de malignidade. A RNM não estava disponível no serviço e a TC não poderia ser usada em paciente gestante.
Macroscopicamente, é possível destacar que o tumor é tipicamente unilateral e bem delimitado, com dimensões oscilando entre 3 e 17 cm de diâmetro. À secção, é sólido, branco-acinzentado com focos amarelados ocasionais e pode conter áreas císticas ou edematosas. Entretanto, o diagnóstico definitivo é firmado pelos achados microscópicos característicos com áreas pseudolobulares densamente celulares, mal definidas, separadas por um estroma fibroedematoso. Os nódulos contêm dois tipos celulares: células fusiformes que produzem colágeno e células arredondadas ou ovais que correspondem a células luteinizadas com características degenerativas. Apresentam citoplasma vacuolizado e contém lipídeos. Observa-se ainda uma trama de vasos de parede fina congestivos, dentro dos nódulos (Figura 4). Mitoses são raras. Do ponto de vista imuno-histoquímico, há expressão de vimentina, α-inibina, calretinina e CD34. A actina de músculo liso é geralmente positiva com desmina negativo3. Em nosso caso, todas as alterações histopatológicas foram identificadas, exceto as imuno-histoquímicas, pois não foram necessárias para o diagnóstico.
Os diagnósticos diferenciais do TEE de ovário no grupo etário da paciente são o fibroma e algumas variações de tecoma, como o luteinizado. Quando há presença de células em anel de sinete com estroma edemaciado pode haver a possibilidade de tumor de Krukenberg, que é neoplasia maligna, mais freqüente entre a sexta e a sétima décadas de vida, mais comumente bilateral e que apresenta facetas do tumor estromal esclerosante em alguns cortes3,17.
A síndrome de Meigs é a tríade caracterizada por tumor pélvico benigno, ascite e efusão pleural - ou hidrotórax - concomitantes, associada à cura da doença após a exérese da tumor20. A descrição clássica foi feita por Joe Vincent Meigs, que definiu as quatro características da síndrome: o tumor é um fibroma benigno ou um fibroma-like de ovário (como tecoma ou tumor das células da granulosa); há ascite e efusão pleural e a exérese do tumor deve curar a paciente21. O tumor estromal esclerosante é um tumor dos cordões sexuais, do grupo dos tecomas e, portanto, nosso caso enquadra-se nesta definição.
Peng, Chang e Hsueh identificaram 114 casos de TEE relatados na literatura até 2003. Em nossa revisão, identificamos mais 28 relatos de casos até a redação deste trabalho8. Sem restrição de idioma de publicação e excluindo-se aqueles de revisão que já incluía outros casos já relatados, totalizando 142. Observamos associação do TEE de ovário com síndrome de Meigs10,22 e ainda com elevação do CA-125, concomitantes em alguns casos9,11. A gravidez associada ao TEE de ovário foi descrita em apenas oito casos13-16.
O que torna nosso caso singular e inédito é a associação de algumas entidades nosológicas raras, pois há em uma mesma paciente TEE de ovário, síndrome de Meigs, elevação de CA-125 em doença benigna e gestação que evoluiu sem complicações até o termo.
Recebido 23/01/2013
Aceito com modificações 18/06/2013
Trabalho realizado no Programa de Residência Médica em Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Regional do Gama - Gama (DF), Brasil.