DOI: 10.1590/SO100-720320140005176 - volume 36 - Dezembro 2014
Fernanda Garanhani Surita, Simony Lira do Nascimento, João Luiz Pinto e Silva
Buscando melhor qualidade de vida, diminuição do estresse e prevenção de comor-bidades, as práticas saudáveis na gestação estão em evidência com objetivos que incluem exercícios físicos de uma forma geral, avaliação e orientação nutricional e programas de preparo para o parto.
A gravidez é o período ideal para a intervenção dos profissionais da saúde porque as mulheres estão muito próximas desses profissionais, realizando consultas frequentes, exames de rotina e recebendo uma série de novas orientações, e também porque durante a gestação estão mais sensibilizadas para os benefícios de um estilo de vida mais saudável visando obter os melhores resultados para si e para seus filhos1.
A prática de exercício físico de forma regular é reconhecida tanto na comunidade científica quanto na mídia como parte de um estilo de vida saudável. Quando tratamos de mulheres grávidas não é diferente, nas três ultimas décadas houve uma mudança de paradigma em relação às recomendações anteriores de repouso e interrupção das atividades laborais, passando ao estímulo à prática de exercícios nesse período.
Nesse sentido, os profissionais de saúde, principalmente os médicos que estão próximos das gestantes, são os responsáveis por disseminar essas concepções e orientar as mulheres sobre os benefícios da prática da atividade física durante a gestação. Essa orientação deve ser feita tanto para as mulheres fisicamente ativas quanto para aquelas sedentárias. No caso das sedentárias, a orientação é de atividades de intensidade leve a moderada, que podem ser ou não supervisionadas, na dependência das condições da gestante, e nesse caso a caminhada pode ser o início de uma proposta maior. Para as mulheres fisicamente ativas a orientação deve ser a manutenção das atividades físicas compatíveis com o período gestacional, e elas geralmente já desenvolvem alguma ativi- dade supervisionada, o que torna mais fácil realizar mudanças sem perda dos benefícios cardiovasculares, entre outros2.
A orientação para a realização de atividade física durante a gestação é estimulada e indicada pelo American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG) desde a década de 1990. Porém, somente em 2002 essa prática foi reconhecida como segura e indicada para todas gestantes saudáveis2.
Estudos em diferentes países mostram prevalências e características diversas dos exercícios entre as mulheres grávidas. Nos Estados Unidos, apenas 15,8% das mulheres estão envolvidas com exercício durante a gravidez no nível recomendado pela ACOG3. Em uma coorte de mulheres saudáveis na Irlanda constatou-se que apenas 21,5% das mulheres atendiam às recomendações atuais para o exercício durante a gravidez4. Entre as gestantes britânicas, a prevalência de atividade física ≥3 horas/semana foi de 48,8% entre a 18a e 32a semanas5. No Brasil, as informações sobre o sedentarismo durante a gravidez são alarmantes: apenas 4,7% das mulheres grávidas são ativas durante toda a gravidez e 12,9% das mulheres relataram alguma atividade física durante a gestação6. Um estudo recente mostrou que na população de gestantes de Campinas, São Paulo, apenas 13% desenvolviam algum tipo de atividade física, e apenas metade delas realizavam exercícios com frequência orientada pela ACOG2.
A melhora da qualidade de vida da mulher deve ser o foco das intervenções, que devem abordar, além do controle do peso, as algias posturais, o estresse, a diminuição do risco de depressão puerperal, a maior autonomia no trabalho de parto, além de um futuro a curto e longo prazos com melhor qualidade de vida.
Apesar dos benefícios das atividades físicas, existem situações em que sua contraindicação ainda é absoluta, por se relacionar a riscos ou porque ainda não temos evidência de segurança: cardiopatias, incompetência istmo-cervical, gestação múltipla (após a 30a semana), sangramento vaginal persistente, placenta prévia, trabalho de parto prematuro, ruptura de membranas, hipertensão arterial não controlada e pré-eclâmpsia2.
As grávidas saudáveis devem ser encorajadas a realizar exercícios de intensidade leve a moderada, 3 a 5 vezes por semana, durante 30 minutos ou mais. Quanto ao tipo de atividade, todas podem ser consideradas: ae- róbicas, de força, alongamento, relaxamento ou dança. Das atividades aeróbicas, a caminhada é mundialmente a mais realizada, seguida das atividades aquáticas, que também se associam à melhora do edema. Entre as atividades de força, o Pilates e a musculação são os mais realizados, e para atividades de relaxamento, o alongamento e a Yoga estão entre os mais procurados pelas gestantes. Não são recomendadas atividades com risco de queda, como ciclismo, cavalgada, escalada, áreas que muito raramente são procuradas pelas gestantes. Praticar exercício físico regularmente ao menos 30 minutos ao dia pode promover inúmeros benefícios, como por exemplo a prevenção de diabetes gestacional. Atividades físicas em intensidade leve a moderada não se associam ao trabalho de parto prematuro ou menor peso do recém-nascido7.
Uma revisão recente sobre exercícios na gestação avaliou, além dos resultados maternos e fetais, os tipos de exercício e intensidade em que são realizados8. Revelou que há um avanço dos estudos nessa área, pois, além dos aspectos amplamente pesquisados, como ganho de peso gestacional, diabetes gestacional, idade gestacio- nal ao nascimento, peso e vitalidade do recém-nascido, incluíam também estudos que abordam o bem-estar físico e emocional das gestantes, como qualidade de vida, dor lombar, incontinência urinária e depressão pós-parto. Nessa revisão, a maioria dos estudos faz uma associação benéfica entre o exercício e os desfechos e nenhum demonstrou risco para a mãe ou para o feto, ratificando as recomendações da prática de exercícios para as gestantes saudáveis. Não há diferenças nos resultados quanto ao tipo de exercício realizado pela gestante e o recomendado é que a intensidade seja leve ou moderada para mulheres anteriormente sedentárias e moderada a alta para mulheres já fisicamente ativas. Todas essas recomendações se aplicam para gestações de baixo risco. No caso de doenças crônicas, como a hipertensão, ainda são poucas as informações e, portanto, mais estudos devem ser realizados para avaliar a segurança da intervenção8.
Além da associação com a melhora da função cardiovascular e ganho de peso, os exercícios podem ajudar em controle de algias posturais na gravidez e também no trabalho de parto. A dor lombo-pélvica é um problema para a uma grande parcela das gestantes e a Yoga é um dos métodos alternativos mais utilizados para aliviar essa dor. Um ensaio clínico brasileiro com 60 mulheres com dor lombo-pélvica utilizou a Hatha Yoga em metade delas para redução do problema durante a gravidez e houve melhora significativa avaliada por testes de provocação de dor lombar nas gestantes que a praticaram9.
Outro estudo nacional avaliou a eficácia e a segurança de um programa de preparação para o parto, visando minimizar a dor lombo-pélvica, incontinência urinária, ansiedade e aumentar a atividade física durante a gravidez. Em um ensaio clínico, 197 gestantes nulíparas de baixo risco foram alocadas aleatoriamente para participar do programa de preparação para o parto ou do grupo controle, que seguiu uma rotina de pré-natal. A intervenção consistia de exercícios físicos, atividades educativas e instruções sobre exercícios a serem realizados em casa. Nesse estudo o risco de incontinência urinária em participantes do programa foi significativamente menor. A participação nesse programa incentivou as mulheres a se exercitarem durante a gravidez, porém não houve diferença entre os grupos em relação ao nível de ansiedade, dor lombo-pélvica, tipo do parto e resultados neonatais10.
As comorbidades associadas à gestação são um novo campo para o estudo do efeito do exercício. O primeiro grupo de comorbidades estudado foi o das gestantes com diabetes. A melhora do controle dos níveis glicêmicos associados à atividade física logo foram reconhecidos. Gestantes diagnosticadas com diabetes gestacional têm maior risco de efeitos adversos, como macrossomia fetal, parto por cesariana, além do desenvolvimento de diabetes tipo 2 ao longo da vida. Esse risco é bastante aumentado se o diabete está associado ao sobrepeso ou à obesidade. A prática regular de exercício físico é fator protetor para o desenvolvimento de diabetes do tipo 2 por atuar no controle glicêmico através da diminuição da resistência periférica à insulina. Quanto à diminuição do risco de diabetes gestacional em mulheres que praticam exercício antes e durante a gestação, alguns programas de exercício associados ou não com dieta têm sido testados, com resultados ainda controversos11. No entanto, a maioria dos investigadores concorda que o exercício exerce um importante papel na manutenção da glicemia pós-prandial das gestantes diabéticas12,13. Portanto, devemos orientar que tanto as mulheres com fatores de risco como as já diagnosticadas com diabetes gestacional sigam as atuais recomendações da prática regular de exercício físico2.
Também é uma realidade a epidemia mundial de obesidade, incluindo o Brasil e principalmente as regiões mais desenvolvidas do nosso país. Como parte integrante dessa epidemia mundial, o número de mulheres em idade reprodutiva com sobrepeso ou obesidade também aumentou. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística indicam que o excesso de peso e a obesidade entre as mulheres cresceram 50% nos últimos 30 anos14.
A eficácia e a segurança do exercício físico em gestantes com sobrepeso e obesidade também foram tema de outro ensaio clínico nacional, que incluiu 82 gestantes, das quais metade realizou atividade física supervisionada e recebeu orientação de exercícios domiciliares. As gestantes com excesso de peso que se exercitavam ganharam, de um modo geral, menos peso durante toda a gestação. Quando avaliado separadamente o grupo de mulheres com sobrepeso, a diferença foi significativa para menor ganho de peso gestacional entre as praticantes do exercício. Não houve diferença nos resultados neonatais e na pressão arterial sistêmica, e assim concluiu-se que as mulheres obesas não devem ser excluídas de programas destinados a incentivar um estilo de vida saudável durante a gravidez. Esses programas devem incluir exercícios supervisionados, avaliação nutricional e aconselhamento do ganho ponderal15.
Também na tentativa de ampliar a população de gestantes que se beneficia da atividade física, 116 gestantes com hipertensão arterial crônica e/ou pré-eclâmpsia prévia foram randomizadas e metade realizou exercício físico supervisionado com bicicleta ergométrica, uma vez por semana, durante 30 minutos, com intensidade controlada (frequência cardíaca de 20% acima dos valores de repouso), sob supervisão de um profissional. Não houve diferenças entre os grupos quanto aos resultados maternos e neonatais. Embora existam poucas evidências sobre esse tema nas gestantes com hipertensão arterial crônica e/ou pré-eclâmpsia prévia, não houve nesse grupo de mulheres associação com riscos maternos ou neonatais16.
A melhora da saúde materna é reconhecidamente um investimento não somente na saúde da gestante e seu concepto, mas também na saúde da mulher a longo prazo, pois complicações ocorridas na gestação podem se associar com morbidades futuras, como hipertensão arterial, diabetes e obesidade. Nesse contexto, a prática de exercício físico é uma das formas de melhorar a qualidade de vida e a saúde materna, além de ajudar no controle do ganho peso gestacional e no retorno ao peso no puerpério.
Porém, na gestação a adesão ao exercício ainda é difícil, pois muitas mulheres têm receios e dúvidas quanto à segurança da sua prática, necessitando de esclarecimentos e incentivos constantes, que precisam ser feitos pelos profissionais que as atendem durante o pré-natal. No pós-parto, introduzir a prática de exercícios na rotina das mulheres é ainda mais desafiador, diante do tempo demandado com cuidados com o recém-nascido. Entretanto, mulheres que são ativas na gestação tendem a se manter ativas no pós-parto.
Em 2013, segundo o estudo "Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico"(Vigitel), 49,4% da população brasileira é considerada insuficientemente ativa por não atingir um mínimo de 150 minutos de atividade física semanal, seja no momento de lazer, no trabalho ou no seu deslocamento17. As mulheres são ainda menos ativas do que os homens, principalmente quando se trata da atividade física de lazer. Apenas 27,3% delas foram consideradas ativas e essas cifras são extremamente baixas e preocupantes17.
Assim, estimular a adoção de estilo de vida saudável deve ser parte da orientação médica e sistematizada para todas as mulheres em qualquer fase da vida, visando não só os comprovados benefícios durante a gestação, mas também a prevenção de doenças crônico-degenerativas associadas ou não à obesidade ao longo de sua vida.