DOI: S0100-72032014005005030 - volume 36 - Setembro 2014
Simony Lira do Nascimento, Ana Carolina Godoy, Fernanda Garanhani Surita, João Luiz Pinto e Silva
A mudança no padrão de atividade física da população em geral é assunto contemporâneo de grande relevância e preocupação permanente de todos os governos diante dos agravos à saúde, principalmente associados ao crescente sedentarismo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), adultos entre 18 e 64 anos devem praticar pelo menos 150 minutos de atividade física moderada ou 75 minutos de atividade intensa por semana, a fim de reduzir o risco de doenças cardiovasculares, diabetes, câncer de mama e cólon, e depressão; além de ser fundamental para o controle do peso corporal. No entanto, 31% da população mundial com idade ≥15 anos têm um nível de atividade física insuficiente, com prevalência maior ainda em países com alta renda e em mulheres1.
Quando se trata de mulheres grávidas não é diferente. A prevalência de gestantes ativas, a duração, a frequência e a intensidade dos exercícios são ainda menores do que nas mulheres adultas em geral2 , 3. Alguns estudos realizados no Brasil demonstram dados alarmantes em relação à prática de atividade física durante a gestação. Tavares et al.4, acompanhando uma coorte de 118 gestantes no Nordeste, encontraram um reduzido nível de atividade física nas gestantes durante todo o período, e 100% da amostra alcançou o padrão sedentário na 32ª semana gestacional. Silva5, avaliando o nível de atividade física de 305 gestantes em Fortaleza, Ceará, verificou que 80% apresentaram condição classificada como padrão leve ou sedentário. Outro estudo realizado na região Sul do Brasil observou que apenas 4,7% foram classificadas como ativas durante toda a gestação2.
Desde a década de 1990, começou a haver mudança de paradigma em relação às recomendações de atividade física durante a gestação, que passou a ser estimulada e até mesmo indicada pelos guias e protocolos do American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG)6. Porém, somente em 2002 a prática de atividade física na gestação foi reconhecida como uma atividade segura, indicada para todas as gestantes saudáveis. A ACOG elaborou então um guidelineestabelecendo as contraindicações absolutas e relativas para a prática de exercícios por gestantes e algumas recomendações a respeito de sua prática. No entanto, a indicação da intensidade, duração e frequência e das modalidades de exercícios a serem praticados ainda está longe de estar bem estabelecida e deve ser definida de acordo com as particularidades de cada mulher6.
A atividade física é definida como qualquer movimento corporal voluntário produzido pelos músculos esqueléticos que resulta em gasto energético maior do que o gasto em repouso, incluindo diversas atividades, como trabalho, locomoção, afazeres domésticos, atividades recreativas e o exercício7. O exercício físico, por sua vez, é caracterizado como toda atividade física estruturada, planejada e repetitiva que tem por objetivo a melhoria da saúde e a manutenção de um ou mais componentes da aptidão física, sendo uma subcategoria da atividade física8. Ambos os fatores poderiam influenciar na evolução da gestação, bem como nos desfechos materno-fetais, recebendo destaque por serem fatores potencialmente modificáveis9.
A prática do exercício físico regularmente pela gestante, por pelo menos 30 minutos ao dia, pode promover inúmeros benefícios, incluindo a prevenção de diabetes gestacional (DG), além de não haver evidências de desfechos adversos para o feto e/ou recém-nascido (RN) com a prática graduada entre intensidade leve e moderada6. Atividades físicas em intensidade leve a moderada igualmente não foram associadas, como se pensava, ao trabalho de parto pré-termo e baixo peso do recém-nascido10. Outro benefício associado a essa prática é a redução da incidência de sintomas indesejáveis durante a gravidez, como câimbras, edema e fadiga11 , 12.
Duas revisões realizadas recentemente indicam que a atividade física durante a gravidez teria efeito protetor contra o desenvolvimento da DG e pré-eclâmpsia12 , 13. Gestantes praticantes de atividades físicas, quando comparadas às inativas, tiveram uma redução de aproximadamente 50 e 40% no risco de desenvolver DG e pré-eclâmpsia, respectivamente12. Contudo, em relação à pré-eclâmpsia, ainda há poucos ensaios clínicos realizados capazes de definir com clareza seus efeitos, limitando-se à comprovação do efeito protetor13.
Os resultados de recente metanálise sobre o efeito do exercício no ganho de peso gestacional sugerem que há significativa redução na média de ganho de peso em gestantes praticantes de exercício14. Em relação às gestantes com sobrepeso e obesidade, a prática de exercício deve ser controlada e supervisionada de forma estrita, associada às orientações nutricionais, para ser efetiva no controle de peso, por se reconhecer que esse grupo tem menor adesão às orientações nutricionais para se lograr um ganho de peso adequado15. O ganho de peso excessivo está claramente relacionado a resultados gestacionais desfavoráveis, como DG, hipertensão, complicações no trabalho de parto e no parto, e macrossomia fetal16, e associado ao fato de que a retenção de peso no pós-parto pode aumentar significativamente o risco de obesidade na mulher em idade reprodutiva17. Desse modo, o papel do exercício no controle de ganho de peso excessivo na gestação é fundamental para a interrupção do processo de perpetuação desse ciclo18.
Os benefícios de se obter um estilo de vida mais saudável devem ser tema abordado de modo sistemático na assistência pré-natal, um momento particularmente propício para a intervenção de profissionais da saúde.
Esta revisão teve como objetivo a disseminação das recomendações existentes sobre exercício físico na gestação entre os profissionais de saúde que assistem às gestantes no Brasil, baseando-se em evidências científicas atualmente disponíveis.
Na ausência de contraindicações clínicas ou obstétricas (Quadro 1) para a prática de exercício, todas as gestantes devem ser estimuladas a manter ou adotar um estilo de vida ativo durante o período. O exercício físico em intensidade leve a moderada é considerado prática segura tanto para a mãe quanto para o feto6 , 19.
Quadro 1
Contraindicações absolutas e relativas para a prática de exercício físico por gestantes Adaptado: ACOG Committee Obstetric Practice6 e Royal College of Obstetricians and Gynaecologists19
Estudos mostraram que mudanças no estilo de vida, incluindo orientações sobre ganho de peso adequado, dieta e exercícios físicos em intensidade leve a moderada, podem e devem ser prescritos para gestantes com sobrepeso e obesidade com segurança, levando a resultados maternos e fetais favoráveis15 , 20 , 21. O Instituto de Medicina Americano (IOM)22 preconiza que o ganho de peso de gestantes classificadas como obesas seja entre 5 e 9 kg. Um ensaio clínico submeteu gestantes com sobrepeso ou obesidade a um programa de exercício físico composto por uma sessão semanal de um protocolo de exercício em intensidade leve (10 minutos de alongamento, 20 minutos de treino de resistência muscular e 10 minutos de relaxamento), somado a orientação de caminhada e orientações nutricionais, enquanto um grupo controle recebeu apenas a rotina padrão de pré-natal e as orientações nutricionais. As mulheres iniciaram a prática de exercício em média com 17 semanas e foram seguidas até o parto. No grupo intervenção, 48% das mulheres ganharam peso excessivamente versus 57% do grupo controle (p=0,4). As gestantes com sobrepeso no grupo intervenção tiveram menor ganho de peso total e no programa do que as com sobrepeso do grupo controle (p<0,038). Não houve diferença entre os grupos com relação aos resultados perinatais, como taxa de cesárea, peso de RN, idade gestacional ao nascer e Índice de Apgar, reforçando o conceito de que exercício físico adequado e supervisionado pode trazer benefícios para a saúde materna sem afetar negativamente a saúde fetal15.
O exercício físico é reconhecidamente parte do tratamento de diabéticos por aumentar a sensibilidade tecidual à insulina, melhorando o controle glicêmico. O exercício físico se associa à prevenção do DG e melhor controle glicêmico em todos os trimestres. Recomenda-se que gestantes com diabetes controlada realizem exercícios físicos aeróbicos e de resistência muscular para ajudar no controle glicêmico. Alguns cuidados devem ser tomados nesse caso, como fazer um adequado controle glicêmico capilar antes a após o exercício, ter um carboidrato de rápida absorção disponível no caso de hipoglicemia durante o exercício, evitar exercício no pico insulínico e realizar o exercício após as refeições, quando há maior disponibilidade de glicose circulante23 , 24.
Gestantes com diagnóstico ou suspeita de pré-eclâmpsia devem evitar a prática de exercício físico, visto que o exercício aumenta ainda mais a pressão arterial e reduz o fluxo uteroplacentário que já está deficiente23. Em gestante de baixo risco, alguns estudos observacionais sugerem que a prática regular de exercício antes e no início da gestação está associada à diminuição do risco de desenvolvimento de pré-eclâmpsia12 , 25. Uma metanálise, publicada em 2012, mostrou que mulheres ativas antes da gestação têm 44% menos chance de desenvolver pré-eclâmpsia, com odds ratio (OR) de 0,56, IC95% 0,41-0,76 e p<0,01, enquanto que gestantes que se envolvem em atividades físicas têm 23% menos chance (OR=0,77; IC95% 0,64-0,91; p<0,01)25.
O repouso já foi indicado com o objetivo de prevenir o agravamento da hipertensão, no entanto não há evidência científica de que previna a sua progressão para pré-eclâmpsia nem que proporcione melhores resultados maternos e fetais. Associado a isso, o repouso prolongado no leito aumenta de modo consistente o risco de trombose venosa24. Para gestantes com hipertensão arterial crônica com controle pré-natal e pressórico adequados, a prática de exercício físico pode ser indicada, desde que supervisionada e monitorada. Atividades físicas de intensidade leve, como caminhada, bicicleta estacionária e alongamentos, são recomendadas25. Gestantes com hipertensão arterial crônica controlada ou com antecedente pré-eclâmpsia que realizaram mais de dez sessões de exercício em bicicleta estacionária durante a gestação, quando comparadas a um grupo controle, apresentaram melhores resultados perinatais. O grupo de estudo apresentou menor taxa de internação materna na UTI, maior taxa de RN com peso ≥2.500 g, menor taxa de prematuridade e menor taxa de morbidade neonatal26.
Outro estudo avaliou os efeitos agudos da atividade física aeróbica sobre a pressão arterial, a frequência cardíaca (FC) e o fluxo sanguíneo feto-placentário em gestantes hipertensas que foram submetidas a 30 minutos de exercícios em esteira ergométrica a 70% da FC máxima, não se observando alteração do fluxo sanguíneo feto-placentário, mas com aumento da FC e da pressão arterial sistólica na posição sentada27.
No caso de a gestação ocorrer em atletas de alto rendimento (profissionais e/ou amadoras), a recomendação do exercício físico deve ser individualizada e adaptada. A prática de certos esportes que exponham a gestante ou o feto a qualquer risco deve ser interrompida ou desestimulada. Em geral, mulheres com essas características conseguem manter atividades em intensidade de moderada a intensa até o segundo trimestre e precisam diminuir no terceiro trimestre, e devem ter monitoração médica mais frequente28 , 29.
A gestante deve escolher uma atividade que melhor se adapte às suas características e interesses para, com isso, aumentar a aderência ao exercício escolhido em longo prazo. Sempre devem ser evitados exercícios que coloquem a gestante ou o feto em risco, como atividades de alto impacto, com risco de queda ou trauma abdominal e esportes de contato6.
Entre as modalidades de exercício, os aeróbicos são os mais estudados. A caminhada é o exercício mais frequente e o mais escolhido entre as gestantes18. O objetivo do exercício aeróbico durante a gestação é manter a capacidade cardiorrespiratória e o condicionamento físico ao longo do processo, além de auxiliar na prevenção e no controle do DG, da hipertensão gestacional e do ganho de peso materno18 , 29. Deve incluir atividades que envolvam grandes grupos musculares, como caminhada ou corrida leve (trote), bicicleta estacionária, natação, hidroginástica, dança ou ginástica aeróbica de baixo impacto29.
Gestantes sem complicações clínicas ou obstétricas submetidas a exercício físico aeróbico em esteira até a fadiga não apresentaram alterações das repercussões fetais ao estudo da dopplervelocimetria após o exercício. Esses resultados indicam que em gestantes sem complicações clínicas ou obstétricas o feto saudável é capaz de desenvolver mecanismos compensatórios e não entrar em sofrimento após o exercício, o que permite a homeostase das trocas gasosas e impede efeitos deletérios da hipóxia fetal, mesmo durante a atividade física moderada a intensa em gestantes previamente sedentárias30.
O possível benefício do fortalecimento muscular é a manutenção do condicionamento muscular ou o aumento de força muscular global, permitindo melhor adaptação do organismo materno às alterações posturais provenientes da evolução gestacional e contribuindo para a prevenção de traumas e quedas, bem como para a prevenção e o tratamento de desconfortos musculoesqueléticos29. O fortalecimento deve priorizar a musculatura paravertebral lombar, a cintura escapular e, preferencialmente, envolver grandes grupos musculares. Deve-se preferir, como critério de escolha, utilizar o próprio peso corporal e faixas elásticas no lugar de aparelhos de musculação ou pesos livres. Deve-se também evitar cargas elevadas, exercícios isométricos intensos repetidos e posturas que coloquem a gestante em risco, principalmente aquelas que possam afetar seu equilíbrio. Os exercícios de resistência muscular devem ser adaptados com muito cuidado a cada período gestacional29 , 11.
Alguns exemplos de exercícios de resistência muscular que as gestantes podem realizar são: Yoga28, Pilates(r), musculação com cargas leves, treinamento funcional e treino com circuito. Vale ressaltar que existem pouquíssimos estudos avaliando algumas das práticas citadas acima, como o Pilates(r) e o treinamento funcional, no entanto, levando-se em conta todos os cuidados recomendados para o período e uma prática supervisionada por profissional capacitado muitos deles poderão ser bem adaptados para os interesses da gestante.
Um estudo aleatorizado que incluiu 160 gestantes, no qual 80 realizaram treino de resistência muscular leve (10 a 12 repetições envolvendo vários grupos musculares, com pesos leves, ≤3 kg ou faixas elásticas) três vezes por semana, durante o segundo e o terceiro trimestres da gestação, não revelou diferença em relação ao peso do RN e mostrou que aquelas gestantes que participaram do treino de fortalecimento muscular tiveram menor ganho de peso gestacional31.
O alongamento muscular é parte fundamental do programa de exercício, permitindo melhorar a flexibilidade e o relaxamento muscular, e ajudando na adaptação postural e na prevenção de dores de origem musculoesqueléticas. Deve ser complementar ao exercício aeróbico e ao treinamento de resistência11 , 29 , 32. Técnicas de alongamento muscular, como o Yoga e o Strecthing Global Ativo, comprovadamente diminuem as queixas de dor pélvica posterior e de dor lombar durante a gestação32 , 33. Diante do aumento nos níveis de relaxina e da progesterona durante a gestação, devem-se evitar alongamentos extremos para prevenir lesões ligamentares e articulares.
Existe evidência científica de que o treinamento dos músculos do assoalho pélvico (TMAP) durante a gestação diminui o risco de incontinência urinária no pós-parto34. A gravidez é um momento oportuno para introduzir a prática de exercícios perineais na vida da mulher. Não há contraindicações para sua prática durante e após a gestação, devendo exercícios desse tipo ser recomendados sistematicamente para todas as gestantes34. A gestante deve realizar o TMAP com contrações sustentadas, ou seja, contrair e manter durante cinco a dez segundos, e contrações rápidas (contrair e relaxar) em diferentes posturas. Como sugestão, deve realizar diariamente duas séries de oito contrações sustentadas por cinco segundos e duas séries de dez contrações rápidas.
Vários estudos são coincidentes em afirmar que exercício realizado em intensidade leve a moderada não se associa a resultados maternos e fetais adversos10 , 11 , 18 , 26. A intensidade do exercício deve ser medida preferencialmente pela FC ou pela sensação subjetiva de esforço (Escala de Borg)35. Assim recomenda-se que o exercício seja realizado de acordo com os seguinte critério: 60 a 80% da FC máxima, calculada pela fórmula FCmáx=220-idade. A Sociedade Canadense de Ginecologistas e Obstetras (SCGO) assume as seguintes faixas de treinamentos para gestantes: idade<20 anos: 140 a 155 batimentos cardíacos por minuto (bpm); 20-29 anos: 135 a 150 bpm; 30-39 anos: 130 a 145 bpm; >40 anos: 125 a 140 bpm11 , 21 , 29. Outro critério é a escala de percepção subjetiva de esforço de Borg, que varia de 6 (sem esforço) a 20 (esforço máximo). A intensidade deve ser preferencialmente entre 12 e 14, correspondendo a uma atividade leve a um pouco cansativa11.
Outra opção mais simples é o Talk-test, em que a gestante é orientada a observar sua habilidade em manter uma conversa durante o exercício físico, o que assegura que este está sendo realizado em intensidade leve a moderada, prevenindo-se o esforço físico excessivo11.
Recentemente, alguns autores questionaram tais medidas, principalmente a intensidade medida pela frequência máxima, visto ser essa uma medida indireta, que não leva em conta o nível de condicionamento físico e as características de cada gestante. Defendem a utilização da FC de reserva (FCR), que corresponde à diferença entre FC máxima (medida por teste de esforço) e FC basal (medida no repouso), que para gestantes saudáveis ou previamente ativas pode variar entre 45 e 60% e para gestantes com sobrepeso ou obesidade e as sedentárias, entre 35 e 60%, sendo a zona-alvo de treinamento aeróbico calculada pela seguinte fórmula: FC prescrita=(% intensidade x FC de reserva) + FC basal. Por exemplo, se uma gestante previamente sedentária, obesa e com DG deseja iniciar a prática de exercício aeróbico na gestação, sua zona de treino seria entre 35 e 40% da FCR; se sua FC medida em repouso for 90 bpm e sua FC máxima (medida em um teste de esforço) for 185 btm, sua %FCR para o treino seria então entre 123 e 128 bpm (FC prescrita=(0,35x95)+90=123 bpm e (0,40x95)+90=128)29.
No entanto, os próprios autores reconhecem que tal método não é prático e dificulta a orientação para as gestantes e concordam que o uso da escala de percepção de esforço de Borg é uma boa alternativa. Porém, apoiam que no segundo trimestre gestacional o exercício pode ser realizado em intensidade 15-16 da escala de Borg, que corresponde a um exercício cansativo29.
Mulheres ativas podem manter ou adaptar sua rotina de exercícios entre 4 e 5 vezes na semana em sessões de 30 minutos ou mais de exercícios. Mulheres previamente sedentárias devem começar com 15 minutos de exercício aeróbico 3 vezes por semana e aumentar gradativamente o tempo de exercícios. Por exemplo, acrescentar 5 minutos por semana até o recomendado de 150 minutos de exercício aeróbico por semana ou 30 minutos de exercício 5 vezes na semana6 , 11 , 29. Devem ser evitados exercícios por períodos prolongados, por exemplo, além de 60 minutos contínuos.
Vale lembrar que o ideal é a combinação de exercícios aeróbicos, de resistência e o alongamento muscular. Logo, uma ou duas sessões de exercício aeróbico na semana podem ser substituídas pelo treino de resistência muscular em dias não consecutivos.
Outro método para direcionar a quantidade de exercício por semana é o que considera o gasto energético, o qual pode ser mensurado em MET-h/semana (MET - Metabolic Equivalent Task) ou em quilocalorias (kcal). Por exemplo, se uma gestante de 60 kg realiza caminhada moderada, que equivale 4,6 METs, por 30 minutos, 5 vezes na semana (4,6 METs x tempo 0,5 x 5dias), ela vai ter um total de gasto energético semanal de 11,75 MET-h/semana, ou 740 kcal/semana. Apesar de não existir na literatura uma quantidade recomendada de exercício em MET-h/semana, Zavorsky e Longo (2011)29 propõem um mínimo de gasto energético semanal de 16 MET-h/semana, chegando a um total máximo de 28 MET-h/semana. Esses autores baseiam essas recomendações em basicamente dois estudos, o de Dempsey et al.36 e o de Zhang et al.37, que observaram o risco de DG ser inversamente proporcional ao gasto energético, ou seja, mulheres que eram ativas antes e durante a gestação tiveram um menor risco de DG37. Esse achado foi confirmado por metanálise publicada em 2011, na qual o exercício pré-gestacional diminuiu o risco de DG em 55% (OR=0,45; IC95% 0,28-0,75) e o exercício realizado agora no início da gestação reduziu esse risco em 24% (OR=0,76; IC95% 0,70-0,83)38. No entanto, consideramos que essas metas são dificilmente alcançadas, inclusive por mulheres adultas não grávidas, ou seja, a mesma gestante do exemplo anterior precisaria caminhar 60 minutos 6 vezes por semana, ou nadar durante 60 minutos 5 vezes na semana para atingir os 28 MET-h/semana recomendados, o que corresponde a mais de 300 minutos de exercício físico por semana, o dobro do tempo recomendado pela ACOG6 e SCGO11.
Por isso, o cálculo do gasto energético acaba sendo mais utilizado para fins de pesquisa científica, pois na prática clínica a recomendação pela duração e frequência do exercício torna-se mais acessível e compreensível tanto para os profissionais como pelas gestantes.
A termorregulação altera-se durante a gestação. Embora não haja evidências de que a prática de exercício seja suficiente para causar hipertermia considerável, muito temida por seus possíveis teratogênicos, alguns cuidados devem ser tomados, como hidratação adequada e permanente, e evitar a prática de exercícios em temperaturas altas ou extremas39. É preferível sempre exercitar-se no início da manhã e/ou no final da tarde, e evitar exercitar-se ao ar livre quando a umidade do ar estiver muito baixa. Desestimula-se exercitar-se em ambientes fechados e sem ventilação, e, no caso de exercícios aquáticos, como hidroginástica, a temperatura da água não deverá passar de 35ºC19.
A gestante deve ter cuidado extra com a hidratação durante a prática de exercício, mantendo-a adequada antes, durante e após a prática de exercícios6.
Diante do aumento do gasto calórico na gravidez e com o exercício, a mulher deve consumir calorias suficientes para garantir uma nutrição adequada durante sua prática. Muitas vezes, é difícil estabelecer uma duração máxima de exercício, pois dependerá do tipo, das condições de preparo individual prévio, da relação entre intensidade e duração. Sabe-se que tempo superior a 50 minutos de exercícios poderá levar à hipoglicemia e ser prejudicial ao feto23. Recomenda-se a realização de uma refeição leve entre 30 e 60 minutos antes do exercício.
Quanto aos sinais e sintomas de alerta para interromper a prática de exercício físico, a gestante deve ser orientada sobre os sinais e sintomas para a interrupção dos exercícios listados no Quadro 2. No caso da apresentação desses, a gestante deve ser orientada a procurar um serviço de saúde e retornar somente após consulta médica6.
Quadro 2
Sinais e sintomas de alerta para interromper a prática de exercício físico6
A gestante somente deve iniciar ou retomar a sua própria rotina de exercícios habituais após a primeira consulta de pré-natal, estabelecida a ausência de risco gestacional e após liberação médica. A atividade física de intensidade leve a moderada é recomendada a todas as grávidas, mesmo as sedentárias que desejam iniciá-la durante a gestação, sendo nesse caso a recomendação atual iniciá-la após a 12ª semana de gestação. As gestantes fisicamente ativas antes de engravidar podem manter suas atividades inclusive no primeiro trimestre gestacional, porém modificando (ou adaptando) sua intensidade e frequência6.
Contudo, o primeiro trimestre pode ser uma fase delicada para a prática de exercício, pois as alterações hormonais determinam com relativa frequência mal-estar, como náuseas e vômitos, além de sonolência e indisposição, o que pode dificultar a aderência e a disposição para os exercícios.
Os exercícios aeróbicos são recomendados para as mulheres que os praticavam antes da gestação, porém com menor intensidade, frequência e duração, de acordo com o discutido anteriormente. Os alongamentos podem ser realizados, sem contraindicações. Já os exercícios para o fortalecimento muscular são recomendados, desde que de forma supervisionada. Recomenda-se preferir sempre exercícios envolvendo grandes grupos musculares, com pouca carga e maior número de repetições, bem como evitar manobra de Valsava durante o treino de resistência muscular. Todas as gestantes devem ser orientadas a realizar diariamente o treinamento dos músculos do assoalho pélvico com contrações sustentadas e rápidas dos músculos do assoalho pélvico (MAP) desde o primeiro trimestre. Também não há contraindicação para as mobilizações articulares e relaxamento.
Em geral, é o melhor período para a prática de exercícios, pois a mulher se encontra mais disposta, livre, em geral, dos inconvenientes do início da gravidez. Mulheres que não praticavam exercício antes da gestação podem iniciar sua prática a partir do segundo trimestre. A partir de 20ª semanas, com o crescimento acelerado do volume uterino, deve-se ter cuidado com a realização de exercícios em posição supina por tempo prolongado, a fim de evitar a síndrome da hipotensão supina. Os exercícios aeróbicos continuam recomendados para todas as gestantes, mesmo as que eram sedentárias antes da gestação, desde que sigam as instruções de tipos, intensidade e frequência do exercício escolhido. Quanto ao alongamento, embora recomendado para esse período, deve levar em conta alguns cuidados a partir da décima semana de gestação, quando ocorre o pico do hormônio relaxina circulante, levando à maior flexibilidade dos tecidos articulares e ligamentares; logo, alongamentos extensos e extremos podem aumentar o risco de lesões dessas estruturas. Exercícios para o fortalecimento muscular, exercícios perineais e mobilizações articulares e relaxamento seguem as mesmas recomendações do primeiro trimestre.
A gestante naturalmente tende a diminuir a intensidade dos exercícios em função do aumento de peso corporal e outros desconfortos e limitações. No entanto, a prática de exercícios leves deve continuar a ser estimulada. Nesse período, atividades aeróbicas na água, como natação e hidroginástica, e caminhadas são indicadas para manter a capacidade aeróbica e o condicionamento físico, assim como os exercícios de respiração, mobilizações e relaxamento envolvidos na preparação para o parto. Algumas adaptações ao exercício podem ser necessárias nesse período, por exemplo, pedalar em bicicleta ergométrica horizontal pode ser mais confortável para a gestante do que em bicicleta ergométrica vertical tradicional. O TMAP deve continuar durante o terceiro trimestre, não havendo contraindicação para a sua prática. Para as mulheres que realizaram treino do MAP durante a gestação, o terceiro trimestre é o momento ideal para conscientização sobre o relaxamento dos MAP e o aumento da sua flexibilidade. No entanto, enquanto a efetividade do fortalecimento dos MAP durante a gestação está bem estabelecida na literatura para a prevenção de sintomas urinários34, a utilização de técnicas como massagem perineal ainda necessita de mais estudos para esclarecer seu efeito protetor sobre o assoalho pélvico durante e após o parto40.
Não existe claramente descrita na literatura consultada uma idade gestacional limite para a interrupção da prática de exercícios, sendo muito variável entre as grávidas. Nesse período, as mulheres devem ficar atentas e ser muito bem orientadas sobre sinais e sintomas que indiquem a proximidade e o início do trabalho de parto, e os sinais de alerta para interromper a prática.
O investimento global na saúde materna durante o período gestacional é reconhecidamente de enorme valor, não somente para a saúde da gestante e seu concepto naquele momento mas também para seu patrimônio de saúde em longo prazo, considerando que complicações ocorridas na gestação podem levar a morbidades futuras, de variada natureza, como hipertensão arterial crônica, diabetes e obesidade10. Nesse contexto, a prática de exercício físico é uma das formas mais produtivas de se incrementar a saúde materna, ajudar no controle de vários desconfortos durante a gestação e no parto, bem como no controle do ganho de peso mês a mês, e facilitar seu retorno às condições ponderais do pós-parto, propiciando um período puerperal e de amamentação mais confortável e prazeroso.
Sabe-se que na gestação a aderência ao exercício pode ser mais difícil, pois há entre as mulheres, seus médicos e cuidadores receios e dúvidas quanto à segurança da sua prática, necessitando de esclarecimentos objetivos e incentivos permanentes.
Há urgente necessidade de sensibilizar os gestores e profissionais da saúde para que programas adequados de atividade física durante a gestação sejam disponibilizados para todas as mulheres, seja em Unidades Básicas de Saúde ou em serviços privados, e incorporados definitivamente às práticas antenatais. Vale ressaltar a importância da constituição e participação de equipe com formação multidisciplinar, incluindo Enfermagem, Fisioterapia ou Educação Física, Nutrição, Psicologia e Serviço Social, que permita uma abordagem global da saúde da mulher nesse período especial de sua vida reprodutiva.
Percebe-se que o exercício físico é uma prática que agrega benefícios para a saúde da mulher no ciclo gravídico-puerperal41, devendo ser conhecida e estimulada pelos profissionais da saúde. Um ponto importante, que ajuda na justificativa da elaboração deste trabalho, é a ausência de orientações padronizadas sobre exercício para as gestantes brasileiras, que na maioria das vezes se utilizam de pesquisas com as orientações adotadas em manuais internacionais6 , 11 , 19 , 21. A adaptação dessas recomendações à realidade brasileira se faz necessária e facilitaria a disseminação da informação entre nossos profissionais e entre nossas gestantes.
A gravidez é um período ideal para a intervenção de profissionais da saúde, por estarem as gestantes muito próximas desses profissionais e altamente motivadas, realizando com decisão exames de rotina, fazendo retornos frequentes e tendo oportunidade de receber com interesse e atenção uma série de novas orientações para sua saúde e bem-estar. A conscientização dos benefícios de se adotar um estilo de vida mais saudável durante e após a gestação deve fazer parte sistemática dos procedimentos assistenciais bem conduzidos e de qualidade.