Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia

Effectiveness of an illustrated home exercise guide on promoting urinary continence during pregnancy: a pragmatic randomized clinical trial

DOI: 10.1590/SO100-720320150005361 - volume 37 - Outubro 2015

Liamara Cavalcante de Assis, João Marcos Bernardes, Angélica Mércia Pascon Barbosa, Ana Carolina Monteiro Santini, Luana Schneider Vianna, Adriano Dias

Abstract



Purpose
: To evaluate the effectiveness of an illustrated home exercise guide targeting the pelvic floor muscles in promoting urinary continence during pregnancy.

Methods
: A randomized clinical trial was performed with 87 participants, evaluated six times during pregnancy and divided into three groups: Gsup, supervised; Gobs, not supervised, and Gref, women who did not perform the home exercises program. A miction diary and perineometry were used to evaluate urinary incontinence (primary outcome) and pelvic floor muscle strength (secondary outcome), respectively. The Kruskal-Wallis test with post hoc Dunn's and chi-square and Z tests with Bonferroni correction were used for continuous variables and proportions, respectively, with the level of significance set at 5%.

Results
: At the end of the study, 6.9% of pregnant women in the Gsup and Gobs had urinary incontinence, while 96.6% of Gref women were incontinent. Regarding pelvic floor muscle function, Gsup and Gobs had mean contractions of 10 and 8.9 cmHO, respectively, while Gref had a value of 4.7 cmHO. Both results were significant.

Conclusion
: An illustrated home exercise guide targeting the pelvic floor muscles is effective in promoting urinary continence during pregnancy, even without permanent supervision.

Full Text

Introdução

A incontinência urinária (IU), definida pela Sociedade Internacional de Continência (ICS) como sendo qualquer perda involuntária de urina1, está entre as doenças mais prevalentes na população feminina2. Estima-se que entre 10 e 55% das mulheres apresentem IU alguma vez na vida3. Na gestação, a IU é ainda mais prevalente, acometendo entre 19 e 60% das gestantes4, devido a processos fisiológicos sequenciais que ocorrem durante a gestação e o parto que resultam na diminuição da função muscular do assoalho pélvico (FMAP)5. Além da IU, a diminuição da FMAP está relacionada com prolapsos dos órgãos pélvicos6 e queixas sexuais, problemas que podem resultar em transtornos sociais e psicológicos para a mulher7.

Historicamente, numerosas intervenções cirúrgicas e medicamentosas foram propostas como formas de tratamento da IU. Contudo, as cirurgias, por serem recursos invasivos, podem ocasionar complicações e necessitam de tempo de recuperação longo. Ademais, o sucesso não é totalmente garantido e existem chances de recidivas8. As medicações, por outro lado, são de uso contínuo e podem resultar em efeitos colaterais indesejáveis8. Além disso, intervenções cirúrgicas e medicamentosas geram altos custos para os sistemas de saúde e acabam se tornando pouco plausíveis no que tange ao circuito custo-eficácia-efetividade. Estudos realizados nos Estados Unidos sobre o custo do tratamento da IU apresentam montantes que variam, devido ao uso de diferentes definições de IU e dos diferentes métodos de análise utilizados, entre 16 e 65 bilhões de dólares anuais2 , 9.

Assim, atualmente, a ICS aponta a reabilitação do assoalho pélvico (AP) como sendo a primeira opção de tratamento da IU8, uma vez que os exercícios perineais são de baixo custo e risco, não invasivos, combatem a diminuição da FMAP e, desse modo, são capazes de prevenir, diminuir ou curar a IU, além de promover o bem-estar10 - 12.

Deve-se destacar, entretanto, que, a despeito da orientação da ICS e dos bons resultados do treinamento muscular do assoalho pélvico (TMAP) na prevenção e tratamento da IU apresentados na literatura científica13, ainda existem poucas evidências sobre algumas questões centrais dos programas de exercícios para o AP, como a forma de supervisão, a escolha dos exercícios, o número de contrações por série, a duração das contrações, o número de séries por dia e a posição do corpo durante a prática dos exercícios13 , 14.

Diante desse contexto, o objetivo deste estudo foi avaliar a efetividade de um manual de orientação de exercícios domiciliares (MOED) para o AP na promoção da continência urinária em gestantes primigestas.

 

Métodos

Trata-se de um ensaio clínico aleatorizado pragmático avaliando a efetividade de um manual contendo instruções para a realização de exercícios domiciliares para o AP, no que se refere à continência em gestantes primigestas.

Assumindo que a prevalência da IU em gestantes é de ordem de 40%15 e considerando que os exercícios perineais reduzem a ocorrência em cerca de 40% das mulheres16, estimou-se o tamanho amostral, com valores corrigidos para os erros do tipo I (5%), do tipo II (20%) e perdas não diferenciais de 20%, em 87 participantes, distribuídas em 3 grupos, segundo a proposta de Pocock17.

Os critérios de inclusão foram estar, no máximo, até a 18ª semana gestacional, possuir entre 20 e 35 anos de idade e não apresentar diabetes, hipertensão ou IU prévia à gestação. Os critérios de exclusão, por sua vez, foram não registrar a execução dos exercícios ou desistir da coleta de dados da pesquisa.

Desse modo, gestantes primigestas, com idades entre 20 e 35 anos, foram identificadas nos registros das unidades básicas de saúde (UBSs) do município de Assis (SP). Das 960 gestantes inicialmente elegíveis em seguimento pré-natal no serviço público municipal, foram excluídas 730 que não responderam aos critérios de inclusão.

As 230 gestantes restantes foram questionadas sobre o interesse em participar do estudo, após receberem informações sobre o objetivo e os procedimentos da pesquisa, por contato telefônico ou visita residencial. Assim, as primeiras 87 gestantes primigestas contatadas que concordaram em participar do estudo, e que responderam aos critérios de inclusão, foram incluídas após assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.

A seguir, as participantes foram distribuídas, aleatoriamente, em três grupos (supervisionado - Gsup, observado - Gobs - e referência - Gref), compostos por 29 gestantes cada, por meio de sorteio computacional. Pode-se observar na Tabela 1 que os três grupos foram homogêneos em relação a todas as variáveis sociodemográficas e clínicas. Os 87 envelopes que continham a informação de qual grupo cada gestante participaria foram lacrados por um indivíduo terceirizado da pesquisa e foram abertos apenas no momento de indicar a intervenção.

 

Tabela 1.
Variáveis sociodemográficas e clínicas, por grupo de intervenção

Grupo % Média Desvio padrão Valor p
Gsup - n=29        
Idade   26,3 4,6 0,8*
IG   17,9 0,3 0,4*
Escolaridade   11,9 1,7 0,9*
Peso pré-gestacional   67,4 18,3 0,5*
Peso na 18ª semana   70,7 18,4 0,5*
Ganho ponderal gestacional   13,0 5,2 0,4*
Constipação intestinal até a 18ª semana 37,9     0,1†
IU até a 18ª semana 58,6     0,7†
Gobs - n=29        
Idade   27,1 5,4  
IG   17,9 0,2  
Escolaridade   11,9 1,7  
Peso pré-gestacional   63,3 14,2  
Peso na 18ª semana   65,5 13,4  
Ganho ponderal gestacional   11,4 3,9  
Constipação intestinal até a 18ª semana 58,6      
IU até a 18ª semana 51,7      
Gref - n=29        
Idade   26,6 5,7  
IG   18,00 0,00  
Escolaridade   11,9 1,7  
Peso pré-gestacional   60,2 9,8  
Peso na 18ª semana   63,2 9,6  
Ganho ponderal gestacional   12,2 3,0  
Constipação intestinal até a 18ª semana 65,5      
IU até a 18ª semana 48,2      

*Teste de Kruskal-Wallis; †teste do χ2. IU: incontinência urinária; IG: idade gestacional; Gsup: Grupo supervisionado; Gobs: Grupo observado; Gref: Grupo referência.

Intervenção

As atividades realizadas pelas participantes de cada um dos grupos foram: Gsup: nesse grupo as participantes receberam o MOED e foram instruídas sobre como usá-lo, realizaram os exercícios que constavam no manual tanto em casa quanto supervisionadas por um fisioterapeuta em encontros mensais e, ainda, preencheram a ficha de controle da realização dos exercícios e o diário de perdas urinárias; Gobs: nesse grupo as participantes receberam o MOED e foram instruídas sobre como usá-lo, realizaram os exercícios que constavam no manual em casa, mas não os fizeram sob supervisão nos encontros mensais, e, ainda, preencheram a ficha de controle da realização dos exercícios e o diário de perdas urinárias; Gref: nesse grupo as participantes não receberam o MOED, não realizaram os exercícios, seja de forma supervisionada ou no domicílio, e preencheram apenas o diário de perdas urinárias.

O MOED foi baseado em Bo18, Morkved et al.11 e Oliveira et al.19 e continha orientações para a realização diária de contrações perineais em 4 posições - decúbito lateral esquerdo, sentada em uma cadeira ou em decúbito dorsal com flexão de tronco em 45º, sentada com as pernas cruzadas e em pé - escolhidas por serem posições habituais no dia a dia. Nas posições decúbito lateral esquerdo e sentada em uma cadeira ou decúbito dorsal com flexão de tronco em 45º foram solicitadas 10 contrações lentas, sustentadas por 6 segundos com repouso de 6 segundos, e 3 contrações rápidas. Na posição sentada com as pernas cruzadas e em pé foram solicitadas cinco contrações lentas, sustentadas por seis segundos, com repouso de seis segundos e três contrações rápidas. Repousos de 60 segundos foram solicitados entre as transições da contração lenta para a rápida e de uma postura para a outra.

O MOED continha também um calendário mensal para as gestantes registrarem os dias em que os exercícios foram realizados em casa. Todas as 87 gestantes recrutadas registraram a realização diária dos exercícios do MOED em casa e não houve desistências na realização do protocolo durante todo o período de seguimento.

No primeiro encontro, realizado nas UBSs, todas as gestantes tiveram dados pessoais e condições pré-gestacionais coletados. Depois, as participantes foram submetidas à avaliação da força muscular perineal (FMP) (desfecho secundário) por intermédio de um perineômetro PerinaStim(r) portátil, que mede o pico máximo de contração da musculatura perineal. Para tanto, foi solicitada uma contração perineal voluntária sustentada pelo maior tempo possível por três vezes, com o intervalo de repouso igual ao tempo de contração. O resultado do teste se deu pelas médias das contrações.

Por sua vez, a ocorrência de IU foi avaliada no primeiro encontro por meio de autorrelato, por meio de uma pergunta padrão na qual se inquiriu sobre a ocorrência de perda de urina, independentemente do volume, após a confirmação da gravidez e as situações nas quais essas perdas haviam acontecido.

A seguir, as gestantes do Gsup e Gobs foram orientadas, individualmente, sobre a anatomia do AP, como deveria ser feita a contração perineal e o tempo de contração para estimulação da musculatura do AP. Após conseguirem contrair o períneo de forma correta, receberam o MOED.

Ainda no primeiro encontro, Gsup e Gobs realizaram os exercícios com um fisioterapeuta, que treinava as participantes quanto à forma, ao número de repetições e à frequência de realização dos exercícios.

Finalmente, as participantes foram orientadas sobre como realizar o preenchimento da ficha de controle de realização dos exercícios (Gsup e Gobs) e do diário de perdas urinárias (Gsup, Gobs e Gref). Deve-se ressaltar que eram registradas diariamente a hora e as atividades desenvolvidas nos momentos de perdas urinárias, além da quantidade acumulada diária (relatada em medidas comparadas, como gotas, colheres ou copos, sendo reclassificadas em pequena, média e intensa perda, respectivamente) no diário de perdas urinárias, por meio do qual a ocorrência de IU (desfecho primário) era mensurada.

 

Seguimento

Em função da semana gestacional de início do seguimento (18ª) foi possível ter mais 5 encontros mensais (22ª, 26ª, 30ª, 34ª e 38ª semanas gestacionais). Nesses encontros, também realizados nas UBSs, todas as gestantes eram submetidas à perineometria (conforme descrito) e devolviam as fichas de controle de realização dos exercícios e de perdas urinárias devidamente preenchidas, além de receberem novas fichas para o próximo período. A cada encontro, as participantes do Gsup realizavam novamente a sequência de exercícios perineais constantes do manual sob supervisão fisioterapêutica, a fim verificar se estavam realizando as atividades corretamente; caso não estivessem, eram devidamente corrigidas.

Em relação à análise estatística, quando foram comparadas variáveis contínuas entre os três grupos, em função da distribuição não normal dos resultados, utilizou-se o teste de Kruskal-Wallis, seguido do teste post hoc de Dunn, ambos não paramétricos. Para as comparações de proporções, foram utilizados o teste do χ2 e os testes Z, com correções de Bonferroni. Todas as comparações utilizaram 5% como nível de significância e foram executadas utilizando os softwares IBM SPSS Statistics, versão 21.0, e Statistica, versão 8.0.

 

Aspectos éticos

O estudo foi conduzido de acordo com a Declaração de Helsinque revisada em 2008, tendo sido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Regional de Assis, sob o parecer no 105/2008, e identificado noclinicaltrials.gov sob o nº NCT00740428 em 22 de agosto de 2008, não havendo conflito de interesses por parte dos autores. Todas as participantes recrutadas preencheram o termo de consentimento livre e esclarecido e concordaram em participar do estudo. Ao final da coleta de dados, as participantes dos três grupos que apresentaram ocorrência de IU e/ou sintomas condizentes com disfunções musculares do AP foram encaminhadas para realizar tratamento; as que não apresentaram nenhum dos dois eventos foram orientadas a realizar as contrações perineais como medida preventiva.

 

Resultados

A utilização do MOED foi eficaz na promoção da continência, visto que entre o 1º e o último encontro houve uma redução do número de gestantes incontinentes de 51,7 e de 44,8% no Gsup e no Gobs, respectivamente, enquanto no Gref ocorreu um aumento de 48,3% do número de gestantes incontinentes (Tabela 2).

 

Tabela 2.
Ocorrência de incontinência urinária nos três grupos de intervenção, por encontro

Momento n Ocorrência de IU Valor p*
Sim
n %
Início        
Gsup 29 17 58,6  
Gobs 29 15 51,7  
Gref 29 14 48,3 0,7
2º encontro        
Gsup 29 17 58,6  
Gobs 29 15 51,7  
Gref 29 14 48,3 0,7
3º encontro        
Gsup 29 17 58,6  
Gobs 29 15 51,7  
Gref 29 16 55,2 0,9
4º encontro        
Gsup 29 11 37,9  
Gobs 29 13 44,8  
Gref 29 19 65,5 0,1
5º encontro        
Gsup 29 1 3,4ª  
Gobs 29 5 17,2ª  
Gref 29 23 79,3b <0,001
6º encontro        
Gsup 29 2 6,9ª  
Gobs 29 2 6,9ª  
Gref 29 28 96,6b <0,001

*Teste do χ2; porcentagens seguidas de letra minúscula não diferem significativamente de 5% pelo teste Z, com correção de Bonferroni. Gsup: Grupo supervisionado; Gobs: Grupo observado; Gref: Grupo referência.

Quanto à FMP, Gsup e Gobs apresentaram aumento na média da FMP de 3,5 e 2,7 cmH2O, respectivamente, entre o 1º e o 4º encontro. Contudo, no 5º e 6º encontros Gsup e Gobs apresentaram diminuição da FMP, porém com valores de contração superiores aos basais (2,5 e 1,8 cmH2O, respectivamente). O Gref, por sua vez, apresentou declínio constante da FMP a partir do 2º encontro, totalizando uma diminuição de 3,8 cmH2O no 6º encontro (Tabela 3).

 

Tabela 3.
Demonstrativo da força muscular perineal medida pela perineometria nos três grupos de intervenção, por encontro

Momento n Média Desvio padrão Valor p*
Início        
Gsup 29 7,5 2,8 0,2
Gobs 29 7,1 2,5
Gref 29 8,6 1,5
2º encontro        
Gsup 29 8,5 2,6 0,6
Gobs 29 7,9 2,6
Gref 29 8,2 2,0
3º encontro        
Gsup 29 9,8a 1,9 <0,001
Gobs 29 9,2a 2,3
Gref 29 7,2b 2,4
4º encontro        
Gsup 29 10,8a 1,4 <0,001
Gobs 29 9,8a 1,8
Gref 29 6,7b 2,1
5º encontro        
Gsup 29 10,9a 0,8 <0,001
Gobs 29 9,9b 1,1
Gref 29 5,9c 1,8
6º encontro        
Gsup 29 10,0a 0,8 <0,001
Gobs 29 8,9b 1,0
Gref 29 4,7c 1,7

*Teste de Kruskal-Wallis; médias seguidas de letra minúscula não diferem significativamente de 5% pelo teste de Dunn. Gsup: Grupo supervisionado; Gobs: Grupo observado; Gref: Grupo referência.

Discussão

Os resultados acima descritos apontam que a utilização de um MOED para o AP por primíparas durante a gestação é capaz de reduzir a ocorrência de IU e de aumentar a FMP. Esses resultados corroboram outros estudos que demonstraram que os exercícios para o AP podem aumentar a FMP e reduzir a gravidade da IU, tanto em relação à frequência quanto ao volume de perda urinária, ou, até mesmo, curar a incontinência em gestantes20 , 21 e não gestantes13. Teoricamente, esses resultados podem ser explicados pelo fortalecimento dos músculos do AP e dos músculos periuretrais, que passam a reforçar o mecanismo de continência22.

Apesar de não ser um dos objetivos do presente estudo e, por esse motivo, não ter sido avaliada, a literatura científica aponta que a realização de exercícios para o AP é eficaz, também, na melhora da função sexual e da qualidade de vida das mulheres23 , 24.

As características clínicas e sociodemográficas das participantes parecem não ter sido determinantes para os resultados encontrados, uma vez que se distribuíram de forma homogênea entre os diferentes grupos de intervenção. No entanto, a ocorrência de confundidores não pode ser descartada, ainda que não tenha sido possível identificá-los e tampouco controlá-los, porém a escolha do desenho e a aleatorização dos grupos certamente auxiliou no controle. Vale destacar que o poder da amostra, ao final da investigação, superou 90%.

A fim de resultar em um tratamento eficaz da IU, a prática dos exercícios para o AP exige dedicação, esforço e perseverança por parte das mulheres25. Assim, é razoável supor que os efeitos do tratamento serão melhores se o programa de TMAP, além de ser baseado em princípios fisiológicos confiáveis e de garantir uma contração perineal correta antes do início da realização dos exercícios, contar com estreita supervisão e apoio dos profissionais de saúde envolvidos para manter a adesão ao tratamento26. Suposição essa que, apesar de ter sido confirmada em estudo prévio27, não encontrou respaldo nos resultados de uma revisão sistemática28 sobre a eficácia dos exercícios para o AP no tratamento da IU e nos resultados do presente estudo, visto que, apesar de o aumento da FMP ter sido significantemente superior no Gsup, não houve diferença significativa entre os resultados do Gsup e do Gobs quanto à IU.

Desse modo, os resultados do presente estudo apontam que não existe a necessidade de supervisão presencial de um profissional durante a realização dos exercícios perineais. Deve-se destacar, entretanto, que o fato de tanto as participantes do Gsup quanto do Gobs terem realizado uma sessão de exercícios supervisionados por um fisioterapeuta durante o primeiro encontro pode estar relacionado à ausência de diferença significativa quanto à redução da IU. A decisão de realizar uma primeira sessão de exercícios supervisionados foi tomada a fim de tornar a amostra a mais homogênea possível.

Dois estudos que avaliaram o impacto de terapias de modificação de comportamentos sobre a IU nos participantes que completaram o tratamento também não encontraram diferenças significativas na redução da incontinência entre grupos que tiveram supervisão do tratamento a cada duas semanas e grupos que fizeram uso de um manual sem supervisão alguma durante todo o período do estudo29 , 30. Contudo, um desses estudos relatou uma elevação da satisfação com o tratamento entre as participantes que receberam supervisão29 e o outro apontou que a aderência ao tratamento foi inferior entre os participantes que não receberam supervisão30.

O fato de o presente estudo ter sido desenvolvido em UBSs e de ter ocorrido melhora tanto da IU quanto da FMP, independentemente de supervisão permanente, demonstra a viabilidade da incorporação do MOED como estratégia preventiva e curativa para a IU na atenção primária à saúde. O uso do MOED nos serviços básicos de saúde poderia ser implementado e conduzido por profissionais da unidade treinados para esse fim, como já ocorre em outros países31.

Além do impacto positivo para a saúde da população feminina, a incorporação do MOF na atenção primária à saúde poderia diminuir a quantidade de encaminhamentos para o nível secundário, proporcionando maior agilidade na resolutividade dos casos e reduzindo o tempo de espera das mulheres que realmente necessitam de consulta especializada. E mais, em um sistema de saúde em que há enorme necessidade de maior racionalidade nos gastos, devido à grande demanda de serviços associada à escassez de recursos, o melhor custo-efetividade dos programas de TMAP, quando comparados aos tratamentos cirúrgicos e medicamentosos para a IU32, poderia ter implicações econômicas positivas para o Sistema Único de Saúde (SUS).

Embora os resultados do presente estudo apontem a eficácia do MOED no tratamento da IU e da FMP, algumas limitações precisam ser levadas em consideração. Uma das limitações deste estudo é o não cegamento tanto das participantes quanto dos pesquisadores responsáveis pela aplicação do tratamento, o que, devido à natureza dos exercícios para o AP, é praticamente impossível. Deve-se destacar, contudo, que o pesquisador responsável pela análise dos dados foi mascarado em uma primeira rodada da análise, não tendo conhecimento sobre qual foi a intervenção recebida por cada grupo, e obteve agrupamentos distintos a cada encontro. Apenas em uma segunda rodada de análise efetuou a verificação de que se esses agrupamentos correspondiam aos grupos de intervenção originais. Outra possível limitação se relaciona ao fato de que o contato íntimo com os pesquisadores tenha produzido um efeito semelhante ao efeito placebo, conhecido como o efeito Hawthorne ou efeito lupa. No entanto, as participantes apresentaram melhoras tanto em variáveis subjetivas, tais como o autorrelato de IU, quanto em variáveis clínicas medidas objetivamente, como a perineometria.

 

Conclusão

Os resultados obtidos demonstram que o uso de MOED é uma forma eficaz de promoção da continência urinária e de aumento da FMP, resultado esse que corrobora a recomendação da ICS de que a reabilitação do AP deve ser a primeira opção de tratamento para IU. O fato de ter ocorrido melhora significativa da IU e da FMP independentemente de supervisão permanente, a facilidade de aplicação do protocolo, o melhor custo-eficácia dos programas de exercícios para o AP em comparação com os tratamentos cirúrgicos e medicamentosos e a elevada prevalência de IU na população feminina indicam que o uso de MOED para o AP tem um excelente potencial de aplicação no âmbito da prática clínica ambulatorial.

 

Agradecimentos

À Secretaria Municipal da Saúde, às coordenadoras e aos funcionários das UBSs de Assis (SP), por aceitarem e colaborarem para a realização do estudo, e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pelo financiamento do estudo.


References

1 Abrams P, Cardozo L, Fall M, Griffths D, Rosier P, Ulmsten U. The standardization of terminology in lower urinary tract function: report from the standardisation sub-committee of the International Continence Society. Urology.. 2003;61(1):37-49


2 Wilson L, Brown JS, Shin GP, Luc KO, Subak LL. Annual direct cost of urinary incontinence. Obstet Gynecol.. 2001;98(3):398-406


3 Hunskaar S, Arnold EP, Burgio K, Diokno AC, Herzog AR, Mallett VT. Epidemiology and natural history of urinary incontinence. Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunct.. 2000;11(5):301-319


4 Sangsawang B, Sangsawang N. Stress urinary incontinence in pregnant women: a review of prevalence, pathophysiology, and treatment. Int Urogynecol J.. 2013;24(6):901-912


5 Polden M, Mantle J. . Fisioterapia em ginecologia e obstetrícia. 2000;:-


6 Bo K. Pelvic floor muscle training in treatment of female stress urinary incontinence, pelvic organ prolapse and sexual dysfunction. World J Urol.. 2012;30(4):437-443


7 Coyne KS, Kvasz M, Ireland AM, Milsom I, Kopp ZS, Chapple CR. Urinary incontinence and its relationship to mental health and health-related quality of life in men and women in Sweden, the United Kingdom, and the United States. Eur Urol.. 2012;61(1):88-95


8 Figueiredo EM, Lara JO, Cruz MC, Quintão DM, Monteiro MV. Perfil sociodemográfico e clínico de usuárias de serviço de fisioterapia uroginecológica da rede pública. Rev Bras Fisioter.. 2008;12(2):136-142


9 Coyne KS, Wein A, Nicholson S, Kvasz M, Chen CI, Milsom I. Economic burden of urgency urinary incontinence in the United States: a systematic review. J Manag Care Pharm.. 2014;20(2):130-140


10 Kruger AP, Luz SC, Virtuoso JF. Home exercises for pelvic floor in continent women one year after physical therapy treatment for urinary incontinence: an observational study. Rev Bras Fisioter.. 2011;15(5):351-356


11 Morkved S, Bo K, Schei B, Salvesen KA. Pelvic floor muscle training during pregnancy to prevent urinary incontinence: a single-blind randomized controlled trial. Obstet Gynecol.. 2003;101(2):313-319


12 Bo K, Sherburn M. Evaluation of female pelvic-floor muscle function and strength. Phys Ther.. 2005;85(3):269-282


13 Dumoulin C, Hay-Smith EJ, Mac Habée-Séguin G. Pelvic floor muscle training versus no treatment, or inactive control treatments, for urinary incontinence in women. Cochrane Database Syst Rev.. 2014;5:CD005654-CD005654


14 Boyle R, Hay-Smith EJ, Cody JD, Morkved S. Pelvic floor muscle training for prevention and treatment of urinary and faecal incontinence in antenatal and postnatal women. Cochrane Database Syst Rev.. 2012;10:CD007471-CD007471


15 Wesnes SL, Rortveit G, Bo K, Hunskaar S. Urinary incontinence during pregnancy. Obstet Gynecol.. 2007;109(4):922-928


16 Bo K. Pelvic floor muscle training is effective in treatment of female stress urinary incontinence, but how does it work?. Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunct.. 2004;15(2):76-84


17 Pocock SJ. . Clinical trials: a practical approach. 1996;:-


18 Bo K. A tailored pelvic floor exercise program commenced immediately post-partum promotes continence. Aust J Physiother.. 2002;48(4):317-317


19 Oliveira C, Lopes MAB, Longo e Pereira LC, Zugaib M. Effects of pelvic floor muscle training during pregnancy. Clinics (Sao Paulo).. 2007;62(4):439-446


20 Morkved S, Salvesen KA, Bo K, Eik-Nes S. Pelvic floor muscle strength and thickness in continent and incontinent nulliparous pregnant women. Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunct.. 2004;15(6):384-389


21 Sangsawang B, Serisathien Y. Effect of pelvic floor muscle exercise programme on stress urinary incontinence among pregnant women. J Adv Nurs.. 2012;68(9):1997-2007


22 Dinc A, Kizilkaya Beji N, Yalcin O. Effect of pelvic floor muscle exercises in the treatment of urinary incontinence during pregnancy and the postpartum period. Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunct.. 2009;20(10):1223-1231


23 Ferreira CH, Dwyer PL, Davidson M, De Souza A, Ugarte JA, Frawley HC. Does pelvic floor muscle training improve female sexual function? A systematic review. Int Urogynecol J.. 2015;:-


24 Liebergall-Wischnitzer M, Paltiel O, Hochner Celnikier D, Lavy Y, Manor O, Woloski Wruble AC. Sexual function and quality of life of women with stress urinary incontinence: a randomized controlled trial comparing the Paula method (circular muscle exercises) to pelvic floor muscle training (PFMT) exercises. J Sex Med.. 2012;9(6):1613-1623


25 Newman DK. Conservative management of urinary incontinence in women. Prim Care Update Ob Gyns.. 2001;8(4):153-162


26 Dumoulin C, Glazener C, Jenkinson D. Determining the optimal pelvic floor muscle training regimen for women with stress urinary incontinence. Neurourol Urodyn.. 2011;30(5):746-753


27 Konstantinidou E, Apostolidis A, Kondelidis N, Tsimtsiou Z, Hatzichristou D, Ioannides E. Short-term efficacy of group pelvic floor training under intensive supervision versus unsupervised home training for female stress urinary incontinence: a randomized pilot study. Neurourol Urodyn.. 2007;26(4):486-491


28 Dumoulin C, Hay-Smith J. Pelvic floor muscle training versus no treatment, or inactive control treatments, for urinary incontinence in women. Cochrane Database Syst Rev.. 2010;(1):CD005654-CD005654


29 Burgio KL, Goode PS, Locher JL, Umlauf MG, Roth DL, Richter HE. Behavioral training with and without biofeedback in the treatment of urge incontinence in older women: a randomized controlled trial. JAMA.. 2002;288(18):2293-2299


30 Goode PS, Burgio KL, Locher JL, Roth DL, Umlauf MG, Richter HE. Effect of behavioral training with or without pelvic floor electrical stimulation on stress incontinence in women: a randomized controlled trial. JAMA.. 2003;290(3):345-352


31 Milne JL, Moore KN. An exploratory study of continence care services worldwide. Int J Nurs Stud.. 2003;40(3):235-247


32 Imamura M, Abrams P, Bain C, Buckley B, Cardozo L, Cody J. Systematic review and economic modelling of the effectiveness and cost-effectiveness of non-surgical treatments for women with stress urinary incontinence. Health Technol Assess.. 2010;14(40):1-188