Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia

Prevalência das malformações congênitas identificadas em fetos com trissomia dos cromossomos 13, 18 e 21

DOI: 10.1590/S0100-720320150005373 - volume 37 - Julho 2015

Caroline Soares Cristofari Emer, Julio Alejandro Peña Duque, Ana Lúcia Letti Müller, Rejane Gus, Maria Teresa Vieira Sanseverino, André Anjos da Silva, José Antonio de Azevedo Magalhães

Abstract



Purpose
: To describe the prevalence of malformations found in fetuses with trisomy of chromosomes 13, 18 and 21 by identifying the most frequent within each condition.

Methods
: A retrospective cross-sectional study with the analysis of trisomy cases of chromosomes 13, 18 and 21 diagnosed through fetal karyotype obtained by amniocentesis/cordocentesis, between October 1994 and May 2014, at a Teaching Hospital in Brazil Southern Region. Malformations identified through morphological ultrasonography were described and, subsequently, confirmed in newborn examinations and/or fetal autopsy. The results were analyzed using Fisher's test and analysis of variance (ANOVA), with a 5% level of significance (p=0.05).

Results
: Sixty-nine cases of trisomy were diagnosed among 840 exams; nine were excluded due to outcome outside Hospital de Clínicas de Porto Alegre or incomplete records, remaining 60 cases (nine cases of chromosome 13 trisomy, 26 of chromosome 18, and 25 of chromosome 21). In all three groups, heart disease occurred in most cases; the ventricular septal defect was more prevalent and occurred in 66.7% of the trisomy 13 group. Gastrointestinal abnormalities were more prevalent in the trisomy 18 group, especially omphalocele (38.5%; p<0.01). Genitourinary anomalies were more significantly frequent in the trisomy 13 group (pyelectasis, 55.6% - p<0.01; ambiguous genitalia, 33.3% - p=0.01). Central nervous system defects were identified in all cases of trisomy 13. Facial cracks were significantly more prevalent among fetuses with trisomy 13 (66.7%; p<0.01). Hand and feet malformations significantly differed among the trisomy groups. Hand defects occurred in 50% of trisomy 18 cases, and in 44.4% of all trisomy 13 cases (p<0.01); congenital clubfoot was more common in the trisomy 18 group, being detected in 46.2% of fetuses (p<0.01). The abnormalities were found in 50.9, 27.3 and 21.7% of trisomy 18, 13 and 21 cases respectively.

Conclusion
: Many fetal malformations identified at ultrasound are suggestive of trisomy and represent an important tool for etiologic diagnosis and prenatal and pre-conception genetic counseling.

Full Text

Introdução

As aneuploidias são as anormalidades genéticas mais comuns detectadas durante o pré-natal. Dentre as aneuploidias, as trissomias envolvendo os cromossomos 13, 18 e 21 são as mais frequentemente diagnosticadas1.

As cromossomopatias ocorrem em 0,1 a 0,2% dos nascidos vivos, sendo a trissomia do cromossomo 21 a mais frequente2. A ultrassonografia morfológica realizada entre 16 e 23 semanas de gestação possui uma taxa para detecção de trissomia do cromossomo 21 de 75%, com uma taxa de falso-positivo de 10 a 15%3. A trissomia do cromossomo 18 é a segunda trissomia autossômica identificada em nascidos vivos, sendo mais comum no sexo feminino4. Os achados ultrassonográficos desta trissomia são abundantes e o diagnóstico é relativamente fácil, com sensibilidade de 80 a 100%5. A terceira trissomia mais comum é a do cromossomo 13, a qual está associada a graves anomalias do sistema nervoso central (SNC), cardiopatias e malformações do trato gastrintestinal. A taxa de detecção ultrassonográfica desta trissomia é de 90%6. As trissomias dos cromossomos 13 e 18 são graves, com diversas malformações concomitantes, o que resulta em alta taxa de perdas fetais e neonatais.

Apesar dos inúmeros marcadores ultrassonográficos pesquisados nos estudos ao longo dos anos, muitos fetos com trissomias não demonstram achados significantes, tornando a detecção de aneuploidias ainda limitada6. Além disso, algumas malformações podem ser facilmente diagnosticadas por meio da ultrassonografia, outras precisam ser especialmente pesquisadas. Desde 1992, Nicolaides et al.7 observaram que quanto maior o número de malformações fetais identificadas, maior o risco de aneuploidias. No entanto, pode ser difícil para o obstetra distinguir se o achado ultrassonográfico fetal pode ser considerado apenas como uma variante da normalidade ou reflete um aumento do risco6. Da mesma forma, na ausência de defeitos maiores e marcadores já descritos para a trissomia do cromossomo 21, há um risco sete vezes menor desta cromossomopatia8.

Diante disso, presume-se que os ultrassonografistas obstétricos precisam conhecer as malformações mais frequentemente associadas a cada anomalia cromossômica7. Essa realidade se aplica especialmente nas regiões em que métodos mais sofisticados de diagnóstico pré-natal ainda não são acessíveis. O diagnóstico pré-natal precoce de aneuploidias propicia à família tempo para se preparar e se informar sobre o manejo da gestação6.

O objetivo deste trabalho foi descrever as principais malformações encontradas nos fetos com trissomia dos cromossomos 13, 18 e 21 no meio médico, identificando aquelas mais frequentes dentro de cada trissomia e discutindo estes dados em consonância com a literatura atual a respeito do tema.

 

Métodos

Foi realizado um estudo transversal retrospectivo, de outubro de 1994 até maio de 2014, com as gestantes que foram submetidas à amniocentese ou cordocentese para pesquisa de cariótipo fetal no Setor de Medicina Fetal do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Rio Grande do Sul, Brasil. Foram incluídos os fetos com diagnóstico de trissomia dos cromossomos 13, 18 e 21 naquele período. Os autores assinaram o termo de responsabilidade para o uso de dados de prontuário, e a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Pesquisa e Ética em Saúde do grupo de pesquisa e pós-graduação do HCPA, sob o número 06-038. Foram excluídos os casos em que o desfecho da gestação não ocorreu no HCPA e aqueles cujos prontuários não continham informações sobre os dados pesquisados.

As gestantes, cujos fetos apresentaram aumento de translucência nucal (TN), malformações detectadas em ultrassonografia obstétrica ou com risco aumentado para cromossomopatias atendidas no ambulatório de pré-natal do HCPA e na rede primária referenciada, foram encaminhadas para o Setor de Medicina Fetal, no qual foram submetidas ao exame de ultrassonografia obstétrica morfológica e à coleta de material para cariótipo fetal. O diagnóstico de trissomia foi dado pelo resultado do cariótipo.

As variáveis analisadas foram: idade materna em anos, paridade (primíparas ou multíparas), idade gestacional ao diagnóstico (segundo e terceiro trimestres), sexo fetal (masculino e feminino), motivo do encaminhamento ao Setor de Medicina Fetal, malformações encontradas no exame ultrassonográfico morfológico, que, posteriormente, foram confirmadas em exames do recém-nascido e/ou necropsia fetal e desfecho da gestação (óbito intraútero ou nativivo).

Os dados foram analisados com o programa SPSS versão 22, utilizando-se média, desvio padrão e contagem em porcentagem para variáveis quantitativas de distribuição simétrica. As médias foram comparadas por meio de análise de variância (ANOVA) e os dados categóricos, pelo teste de Fisher. O nível de significância adotado foi de 5% (p=0,05).

 

Resultados

Foram realizadas 840 amniocenteses/cordocenteses para pesquisa de cariótipo fetal no período do estudo. Foram diagnosticados 69 casos de trissomias, nove do cromossomo 13, 30 do cromossomo 18 e 30 do cromossomo 21. Nove casos foram excluídos (cinco casos de trissomia do cromossomo 21 e quatro casos de trissomia do cromossomo 18), em função do desfecho da gestação ter ocorrido fora do HCPA ou por terem prontuário incompleto. A Tabela 1 descreve a distribuição das trissomias segundo os dados gestacionais materno-fetais encontrados, os motivos de encaminhamento para o Setor de Medicina Fetal e o desfecho da gestação.

 

Tabela 1.
Distribuição das trissomias de acordo com os dados gestacionais materno-fetais, os motivos de encaminhamento para o Setor de Medicina Fetal e o desfecho da gestação

Características (%) Trissomia 13 (n=9) Trissomia 18 (n=26) Trissomia 21 (n=25) Valor p
Idade materna em anos (média±DP) 30,4±8,2 33,1±8,3 37±5,9 0,05
Paridade       0,1
Primípara 11,1 42,3 20  
Multípara 88,9 57,7 80  
Idade gestacional       0,6
Segundo trimestre 44,4 69,2 68  
Terceiro trimestre 55,6 30,8 32  
Sexo fetal       0,67
Masculino 77,8 57,7 60  
Feminino 22,2 42,3 40  
Motivo de encaminhamento       <0,01
TN alterada 0 11,5 44  
MF detectadas 100 73,1 40  
Risco materno 0 15,4 16  
Desfecho da gestação       0,9
Óbito fetal intraútero 55,6 50 36  
Nativivo 44,4 50 64  

TN: translucência nucal; MF: malformações; DP: desvio padrão; p: significância estatística obtida pelos testes de ANOVA (comparação de médias) e exato de Fischer (variáveis categóricas).

A média de idade materna nos três grupos de trissomia mostrou tendência a uma diferença entre os grupos, sendo possivelmente mais precoce nos casos de trissomia do cromossomo 13 (30,4 anos) e mais tardia, na trissomia do cromossomo 21 (37 anos). Observou-se ainda que duas pacientes do grupo de casos de trissomia 13 (22,2%), 13 pacientes do grupo de casos de trissomia 18 (50%) e 17 do grupo de casos de trissomia 21 (68%) tinham mais de 35 anos, totalizando 32 pacientes (53,3% dos casos). Quanto à paridade, a maioria das pacientes já havia tido alguma gestação anteriormente, não havendo diferença entre os grupos.

O diagnóstico de trissomia foi fornecido pela cariotipagem fetal no segundo trimestre, na grande maioria dos casos, nos grupos de trissomia dos cromossomos 18 e 21, e no terceiro trimestre no grupo de trissomia do cromossomo 13. Nos três grupos, houve mais fetos do sexo masculino, principalmente na trissomia do cromossomo 13 (77,8%).

Com relação ao motivo de encaminhamento para o Serviço de Medicina Fetal do HCPA, todos os casos de trissomia do cromossomo 13 foram referidos devido à detecção de malformações fetais em ultrassonografia obstétrica. Já no grupo de trissomia do cromossomo 18, a maioria (73,1%) dos fetos também foi encaminhada por malformações detectadas, porém 15,4% dos casos apresentavam risco materno aumentado para cromossomopatias e 11,5% foram encaminhados por TN aumentada. Em relação aos casos de trissomia do cromossomo 21, o principal motivo de encaminhamento foi o aumento da TN (44,0%), seguido pelo achado de malformações fetais (40,0%) e pelo risco materno aumentado para cromossomopatias.

O desfecho gestacional foi relativamente semelhante nos grupos de trissomia dos cromossomos 13 e 18. Dentre os fetos com trissomia do cromossomo 21, ocorreu óbito fetal em 36% dos casos identificados.

Na Tabela 2 estão descritas as principais malformações fetais identificadas nos três grupos de trissomias. As cardiopatias pesquisadas ocorreram, na maioria dos casos, nos três grupos (29,8% do total de malformações), sendo a comunicação interventricular (CIV) a principal cardiopatia identificada, especialmente no grupo da trissomia do cromossomo 13 (66,7%).

 

Tabela 2.
Principais malformações congênitas fetais encontradas nas trissomias dos cromossomos 13, 18 e 21

Malformações detectadas Trissomia 13 Trissomia 18 Trissomia 21 Valor p
n % n % n %
Comunicação interatrial 1 11,1 3 11,5 5 20,0 0,79
Comunicação interventricular 6 66,7 9 34,6 6 24,0 0,09
Defeito do septo átrio-ventricular 0 0 4 15,4 5 20,0 0,49
Hipoplasia do ventrículo esquerdo 2 22,2 3 11,5 1 4,0 0,24
Onfalocele 2 22,2 10 38,5 0 0 <0,01
Pielectasia 5 55,6 3 11,5 0 0 <0,01
Genitália ambígua 3 33,3 2 7,7 0 0 0,01
Hérnia diafragmática 0 0 3 11,5 0 0 0,20
Ventriculomegalia 4 44,4 5 19,2 5 20,0 0,31
Holoprosencefalia 4 44,4 0 0 0 0 <0,01
Meningomielocele 1 11,1 5 19,2 0 0 0,06
Encefalocele 2 22,2 1 3,8 0 0 0,06
Fenda labial/palatina 6 66,7 1 3,8 0 0 <0,01
Encurtamento de ossos longos 0 0 2 7,7 5 20,0 0,29
Pé torto congênito 2 22,2 12 46,2 1 4,0 <0,01
Defeitos nas mãos 4 44,4 13 50,0 2 8,0 <0,01
Artéria umbilical única 0 0 2 7,7 0 0 0,15

Dentre os casos de malformações gastrintestinais, a onfalocele foi significativamente mais frequente nos casos de trissomia do cromossomo 18 (p<0,01).

As anomalias geniturinárias ocorreram, principalmente, na trissomia do cromossomo 13, porém mais da metade dos casos desta trissomia apresentou pielectasia (55,6%) significativamente maior neste grupo (p<0,01) e o mesmo ocorreu com a genitália ambígua (33,3%; p=0,01).

O achado de hérnia diafragmática, representante das malformações respiratórias, apareceu somente no grupo de trissomia do cromossomo 18, em três casos (11,5%).

Defeitos do SNC foram identificados em todos os casos de trissomia do cromossomo 13, que é o grupo responsável por todos os casos de holoprosencefalia. A ventriculomegalia foi demonstrada em quatro casos de trissomia 13 (44,4%), em cinco de trissomia 18 (19,2%), e em cinco de trissomia 21 (20,0%). As fendas faciais (labiais e/ou palatinas) foram significativamente mais prevalentes nos fetos com trissomia do cromossomo 13 (66,7%; p<0,01).

Dentre os defeitos dos membros, cinco fetos (20%) com trissomia do cromossomo 21 apresentaram encurtamento de ossos longos, o qual foi o achado mais comum neste grupo. Em relação às malformações nas mãos e nos pés, houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos de trissomia: os defeitos nas mãos ocorreram em 13 casos de trissomia do cromossomo 18 (50%; p<0,01) e em quatro casos de trissomia do cromossomo 13 (44,4%); já o achado de pé torto congênito foi mais comum no grupo de trissomia do cromossomo 18, sendo descrito em 12 fetos (46,2%; p<0,01). Os casos de artéria umbilical única ocorreram no grupo de trissomia 18.

Foram descritas ao todo 161 malformações, em 50,9; 27,3 e 21,7% dos casos de trissomias 18, 13 e 21, respectivamente. Como achado ultrassonográfico relevante, dois casos de trissomia 13 (22,2%), 12 casos de trissomia 18 (46,1%) e sete de trissomia 21 (28%) apresentaram polidramnia durante a gestação. Da mesma forma, a hidropisia foi identificada em um caso (11,1%) de trissomia 13, dois (7,7%) de trissomia 18 e dois (8%) de trissomia 21.

 

Discussão

Existem inúmeras malformações descritas associadas às trissomias, além das próprias características fenotípicas de cada síndrome. Numa revisão incluindo 33 casos de trissomia do cromossomo 13, 91% dos fetos apresentavam uma ou mais anormalidades no exame ultrassonográfico pré-natal. As principais malformações descritas foram: holoprosencefalia (39%), outras anormalidades do SNC (58%), anormalidades faciais (48%), renais (33%) e cardíacas (48%)9. Da mesma forma, em outro estudo, demonstrou-se que fetos com trissomia do cromossomo 13 apresentavam frequentemente defeitos cardíacos, anomalias faciais e do SNC10. A holoprosencefalia encontra-se associada à onfalocele em aproximadamente 40% dos casos de trissomia 13, e as anomalias faciais também a acompanham, principalmente os defeitos de linha média, como hipotelorismo, fendas labiopalatinas, narina única, probóscide e ciclopia11 , 12. Dentre as malformações renais, os rins displásicos acometem 48% dos casos11. Em um estudo recente, as malformações mais comuns nos fetos com trissomia 13 foram os defeitos craniofaciais, as malformações cerebrais e as anomalias do trato geniturinário13. Neste trabalho, as principais malformações identificadas nos fetos com trissomia do cromossomo 13 foram as fendas faciais e a CIV, ambas identificadas em 66,7% dos casos; as alterações geniturinárias representadas pela pielectasia em 55,6% e pela genitália ambígua em 33,3%. Dentre as anomalias do SNC, 44,4% dos fetos apresentaram holoprosencefalia e ventriculomegalia. A onfalocele foi encontrada em 22,2% dos casos.

Com relação à trissomia do cromossomo 18, há descrição na literatura sobre mais de 130 anomalias diferentes e nenhuma foi considerada patognomônica da síndrome14 , 15. Em um estudo, foram descritos 70 casos de trissomia 18, no qual 61 fetos (87,1%) apresentavam uma ou duas anomalias maiores e as cardiopatias foram as mais encontradas (47,1%), com incidência de 27,1% dos defeitos de septo ventricular. As malformações do SNC foram identificadas em 35,7% dos casos, as anormalidades faciais em 14,3% dos casos, os defeitos gastrintestinais em 10% e geniturinários em 4,3%16. Em outro estudo, relatou-se que 80% dos fetos com trissomia 18 apresentaram malformações cardíacas estruturais17. Holmgren e Lacoursiere6 avaliaram 20 casos de trissomia do cromossomo 18 e encontraram defeitos de parede abdominal em 25%, malformações do SNC em 65% e cardiopatias em 95%, principalmente defeitos septais ventriculares e patência de ducto arterioso. Em outro estudo que incluiu 98 fetos com trissomia do cromossomo 18, os achados ultrassonográficos anormais mais frequentemente identificados foram os defeitos cardíacos e do SNC, presentes em 63 e 34% dos casos, respectivamente18. Dentre as anomalias do sistema gastrintestinal, está descrito que as mais usualmente encontradas em fetos com trissomia do cromossomo 18 são: divertículo de Meckel, onfalocele e má rotação intestinal11.

As malformações das extremidades inferiores e dos pés já foram encontradas em quase dois terços dos fetos com trissomia 1819. No geral, as malformações mais comumente descritas em fetos com trissomia do cromossomo 18 envolvem cérebro, coração e membros20. Em decorrência destas malformações, é bastante comum o achado de crescimento intrauterino restrito13. No presente trabalho, as principais malformações identificadas nos fetos com trissomia do cromossomo 18 foram os defeitos nas mãos (50,0%), seguidos de pés tortos congênitos (46,2%) e onfalocele (38,5%), com consequente polidramnia. Dentre as cardiopatias, o principal achado neste grupo foi a CIV (34,9%). Os defeitos do SNC foram observados em apenas 19,2% dos casos, caracterizados como ventriculomegalia. Do total de malformações apresentadas no estudo, 50,9% delas foram neste grupo. A avaliação da restrição de crescimento não foi o objetivo deste estudo.

Aproximadamente um terço dos fetos com trissomia do cromossomo 21 apresentam uma ou mais malformações estruturais ultrassonograficamente detectáveis21. Dentre as descritas, sabe-se que fetos com trissomia do cromossomo 21 mostram elevada incidência de malformações cardíacas, podendo chegar a 65% em alguns estudos, principalmente defeitos septais11. Entre os casos de trissomia do cromossomo 21, o achado ultrassonográfico mais comum foi a cardiopatia10. Outras malformações fortemente associadas à trissomia do cromossomo 21 são: hidrocefalia, hipoplasia cerebelar, atresia de duodeno, onfalocele e anomalias de membros11. Aproximadamente 17 a 25% dos fetos com trissomia do cromossomo 21 apresentam hidronefrose descoberta durante o pré-natal, em comparação com 2 a 3% dos fetos com cariótipo normal6. Num estudo de coorte retrospectivo de 1.055 gestações com achado isolado de pielectasia fetal, confirmou-se a associação entre este achado e o aumento de risco das aneuploidias, especialmente de trissomia do cromossomo 21 (aumento de pelo menos duas vezes o risco)22.

Um estudo recente concluiu que a detecção isolada de pielectasia fetal no segundo trimestre está associada com um aumento da possibilidade diagnóstica de trissomia 2123. Em 2014, publicou-se um estudo de revisão sistemática sobre as regras de predição clínica para o cálculo do risco de síndrome de Down, baseadas em achados ultrassonográficos no segundo trimestre de gestação. Este artigo, após revisar 10 preditores clínicos, sendo dois com validação interna e um com externa, concluiu que os resultados não são concordantes e podem gerar situações de superestimação ou subestimação do risco de trissomia do cromossomo 21, apesar das inúmeras evidências sobre o fenótipo dos fetos esta trissomia24. Dentre as malformações presentes nos casos de trissomia do cromossomo 21 identificados neste trabalho, destacam-se as cardiopatias, principalmente CIV (24,0%), comunicação interatrial (20,0%) e defeito de septo atrioventricular - DSAV (20,0%). Além disso, tais fetos apresentaram ventriculomegalia (20,0%) e encurtamento de ossos longos (20,0%).

A taxa para detecção de anomalias fetais relacionadas diretamente ao diagnóstico de cromossomopatias depende essencialmente da qualificação e experiência dos ultrassonografistas, da qualidade dos ecógrafos e do nível e duração dos exames ultrassonográficos obstétricos10. Corroborando esta ideia, em estudo sobre o diagnóstico pré-natal de anormalidades cromossômicas, por meio de testes invasivos, verificou-se que a maioria dos casos de alterações em cariótipos fetais foi encontrada no grupo encaminhado por malformações identificadas em ultrassonografias25. Além disso, o cariótipo permanece como uma ferramenta fundamental no momento de avaliar pacientes com malformações cardíacas e de qualquer índole, tendo presente que a necessidade de identificar as malformações fetais e possibilitar a cariotipagem antenatal cresce na medida em que, nas patologias letais, o risco de óbito intrauterino é alto e a autólise muitas vezes torna a necropsia impossível. Isso dificulta o diagnóstico etiológico e prejudica o aconselhamento dos pais sobre os riscos fetais nas futuras gestações8 , 26.

Em estudo de necropsias fetais, Tennstedt et al. descreveram que, dentre os 129 fetos que apresentavam cardiopatias, anormalidades cromossômicas foram diagnosticadas em 43 casos (33%), sendo que 19, 11 e 6 fetos apresentavam trissomias do 21, 18 e 13, respectivamente. Também foi apresentado que 30 e 12% dos casos de DSAV identificados foram associados à trissomia dos cromossomos 21 e 18, respectivamente27. As cardiopatias foram as malformações mais encontradas nos três grupos do presente estudo (29,8%). O complexo de Dandy-Walker (ventriculomegalia, alargamento da cisterna magna e defeito do vermix cerebelar com dilatação cística do quarto ventrículo)28 é considerado um marcador de trissomia do cromossomo 18, porém também ocorre na trissomia do cromossomo 13. Em relação a outras malformações do SNC, a holoprosencefalia e a meningocele são mais comuns na trissomia do cromossomo 13 e a ventriculomegalia, na trissomia do cromossomo 1811.

Com o avanço da idade materna, tem-se um risco fetal aumentado de aneuploidias. Devido a estes fetos terem um risco maior de óbito intrauterino, quanto maior for a idade gestacional menor será o risco de anomalia cromossômica29. Assim, para aconselhamento genético pré-natal e pré-concepcional, o estudo da etiologia das malformações associadas às síndromes por meio do cariótipo fetal mostra-se uma ferramenta importante. Considerando a incidência crescente de aneuploidias, em virtude da opção atual das mulheres por gestação mais tardia, tornam-se necessários tais estudos com a finalidade de descrever os achados sugestivos, as diferenças de desfechos encontradas e as possibilidades de diagnóstico fetal com riscos minimizados.


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