DOI: 10.1590/SO100-720320150005355 - volume 37 - Setembro 2015
Marcelle Marie Martins Maia, Eura Martins Lage, Bárbara Cecília Borges Moreira, Elayne Alayne Braga de Deus, Joanna Gonçalves Faria, Jorge Andrade Pinto, Victor Hugo Melo
As infecções congênitas e perinatais conhecidas como Torchs (toxoplasmo se, outras infecções - como parvovirose, HIV/AIDS, varicela zoster, hepatites B e C -, rubéola, citomegalovirose, herpes e sífilis) são associadas a risco mais elevado de morbimortalidade neonatal, principalmente quando há coinfecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV)1. Essas infecções estão relacionadas a trabalho de parto pré-termo, rotura pré-termo de membranas, baixo peso ao nascimento, malformações fetais, aborto e óbito fetal. Além disso, podem aumentar o risco da transmissão vertical do HIV1 , 2.
A transmissão dos patógenos pode ocorrer no período pré-natal, perinatal e pós-natal através, respectivamente, da passagem transplacentária de organismos, a partir do contato com sangue e secreções vaginais, ou a partir de exposição ao leite materno para citomegalovirose, HIV e herpes3. A prevalência dessas infecções varia amplamente, dependendo dos hábitos social e cultural, fatores geográficos, clima e taxa de transmissão4.
No Brasil, dados epidemiológicos sobre a prevalência das Torchs em gestantes infectadas pelo HIV ainda são escassos1 embora haja vários estudos a respeito da prevalência dessas doenças em gestantes HIV negativas2 , 5 - 9. Em estudos realizados no Brasil, a prevalência de toxoplasmose em gestantes HIV negativas variou de 0,4 a 3,4%, dependendo da região em que foi feito o estudo2 , 5 - 8. Na Etiópia, a prevalência de toxoplasmose entre as gestantes HIV negativas foi de 2,8%, enquanto no grupo de gestantes HIV positivas foi de 10,7%4, e na Índia, a prevalência nesse grupo, foi de 6%10.
Em relação à rubéola, as taxas de infecção em gestantes brasileiras HIV negativas encontradas foram de 0,03 a 1,2%2 , 5 , 6, e para a citomegalovirose variaram de 0,1 a 2,5%2 , 6 , 9. No que diz respeito às hepatites, as taxas de infecção pelos vírus da hepatite variaram de 0,3 a 3,2% para hepatite B e de 0,1 a 8,1% para a hepatite C em gestantes brasileiras não infectadas pelo HIV1 , 2 , 5 , 8.
Para a sífilis, estudos com gestantes brasileiras HIV negativas indicaram taxas que variaram de 0,8 a 7,7%5 , 11. Levantamento epidemiológico realizado em gestantes pelo Ministério da Saúde em 2011 demonstrou taxa de 0,5%12. Considerando as gestantes HIV positivas, um estudo na Etiópia encontrou prevalência de sífilis de 1% nesse grupo e de 3% no grupo das gestantes HIV negativas13.
O objetivo deste estudo foi avaliar a prevalência das Torchs em uma coorte de gestantes positivas para o HIV de uma área metropolitana do Brasil, bem como identificar os fatores sociodemográficos, clínicos e laboratoriais envolvidos na saúde materno-infantil.
Trata-se de estudo descritivo envolvendo gestantes com sorologia positiva para o HIV acompanhadas no serviço de pré-natal de alto risco do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG), em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, o qual é referência para a população de Belo Horizonte e de cidades da região metropolitana. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (COEP) da Universidade Federal de Minas Gerais (ETIC 008/97).
Todas as gestantes com diagnóstico positivo de infecção pelo HIV - ou seja, com dois testes de triagem imunoenzimáticos (ELISA) positivos em amostras diferentes e um teste confirmatório positivo, por biologia molecular/bioquímica (Western Blot) ou por reação de imunofluorescência indireta (RIFI) - acompanhadas no serviço, entre agosto de 1998 e dezembro de 2013, foram incluídas neste estudo. Entre as 1.573 gestantes com sorologia positiva para o HIV recrutadas neste período, foram incluídas neste estudo 704 gestantes com resultado disponível de alguns dos seguintes testes sorológicos: toxoplasmose, rubéola, citomegalovirose, hepatites B e C, e sífilis.
Os dados de cada gestante foram resgistrados em questionário padronizado durante o atendimento e/ou por meio de busca ativa em prontuário médico. O preeenchimento dos formulários foi realizado pelos profissionais responsáveis pelo atendimento a fim de se garantir mais confiabilidade nas informações. As informações coletadas foram digitadas em banco de dados padronizado do Grupo de Pesquisa em HIV/AIDS Materno Infantil da UFMG. Para avaliação dos dados, considerou-se cada gestação, o que significa que a mesma gestante pode ter sido contabilizada mais de uma vez caso tenha engravidado novamente no período analisado, e que suas variáveis foram avaliadas individualmente em cada gestação.
As variáveis maternas investigadas foram: média da idade; estado civil (casada ou união estável e solteira, viúva ou separada); escolaridade (≥8 anos e <8 anos); momento de contágio (gestação prévia e/ou fora da gestação atual, e na gestação atual); forma de contágio (transmissão vertical, hemotransfusão ou compartilhamento de seringas/agulhas e sexual); contagem de linfócitos TCD4+ (≥ 350 células/mm3 e <350 células/mm3); carga viral plasmática do HIV próxima ao parto (indetectável e detectável); e uso de terapia antirretroviral durante a gestação. As variáveis neonatais investigadas foram: ocorrência ou não de transmissão vertical do HIV; prematuridade; baixo peso ao nascimento; complicações fetais; aborto; e óbito fetal.
Foram analisados os resultados dos testes sorológicos realizados durante a gestação: toxoplasmose (anticorpos IgM e IgG - Kit BioMérieux VIDAS®; sífilis (teste não treponêmico: Venereal Disease Reaserch Laboratory/VDRL - Kit Laborclin RPR BRÁS®; sífilis (teste treponêmico: Treponema pallidum Hemagglutination Assay/TPHA - Kit BioMérieux Trepanostika); rubéola (anticorpos IgM e IgG - Kit Ortho Clinical Diagnostics VITROS®; citomegalovirose (anticorpos IgM e IgG - Kit BioMérieux VIDAS®; hepatite B (antígeno HBsAg - Kit Ortho Clinical Diagnostics VITROS® e hepatite C (anticorpo anti-HCV - Kit Ortho Clinical Diagnostics VITROS®.
Os casos positivos para toxoplasmose, rubéola e citomegalovirose foram definidos como sendo aqueles cuja sorologia apresentava anticorpo IgM positivo. Casos positivos para a sífilis foram definidos como aqueles cuja sorologia demonstrava teste VDRL reagente, com confirmação pelo teste treponêmico, e afastando-se a cicatriz sorológica. Para a hepatite B, foram considerados casos positivos aqueles que apresentaram antígeno HbsAg positivo e, para a hepatite C, aqueles que apresentaram anticorpo anti-HCV positivo.
Foram consideradas gestantes Torchs positivo (Gtp) aquelas com resultado positivo para qualquer uma dessas infecções (toxoplasmose, rubéola, citomegalovirose, hepatites B e C e/ou sífilis), e gestantes Torchs negativo (Gtn) aquelas com resultados negativos para todas elas.
As análises foram realizadas utilizando o software Statistical Package for Scientific Science (SPSS), versão 21. A fase exploratória dos dados foi realizada por meio da obtenção de medidas-resumo. Para as variáveis contínuas, foram calculadas as médias e medianas. Testes de normalidade foram realizados para cada variável, permitindo a escolha do precedimento estatístico mais adequado. A comparação das médias da idade materna foi realizada utilizando-se o test t de Student, e para as variáveis categóricas foi utilizado o teste do χ2. Foram utilizadas razões de chance (odds ratio (OR)) com intervalo de confiança (IC) de 95% para quantificar a associação entre as variáveis maternas e neonatais e a presença de Torchs. A análise multivariada foi realizada utilizando um modelo de regressão logística na seguinte sequência: seleção preliminar das variáveis da análise exploratória, com inclusão no modelo multivariado daquelas que apresentaram p<0,25 e algumas que, embora não tenham apresentado diferenças significativas, são descritas na literatura como associadas à presença de Torchs. A modelagem foi realizada por meio da construção de modelos completos com todas as variáveis selecionadas para a análise e o des carte sucessivo das variáveis que não alteravam, de modo significativo, as OR relativas e os intervalos de confiança. Para a construção do modelo final o nível de significância utilizado foi de 0,05. A avaliação dos modelos foi realizada utilizando o teste de razão da verossimilhança.
Entre agosto de 1998 e dezembro de 2013, foram atendidas 1.573 gestantes com sorologia positiva para o HIV no serviço de pré-natal de alto risco do HC-UFMG, das quais 704 (44,8%) foram avaliadas com algum dos testes sorológicos. Entre estas 704 gestantes, 70 (9,9%; IC95% 7,8-12,4) tinham alguma sorologia positiva para toxoplasmose, rubéola, citomegalovirose, hepatites B e C e/ou sífilis. As maiores taxas de infecção ocorreram nos anos de 2007 (18,9%) e em 2005 (14,9%). Comparando-se os anos de 2003 (8,5%) e 2013 (13,6%). Pode-se observar um aumento da taxa de Torchs de 5,1%, conforme apresentado na Figura 1.
Figura 1.
Taxa de positividade para Torchs por ano em amostra de população de gestantes HIV positivas
Foram encontradas taxas de 1,5% (10/685) para a toxoplasmose, 1,3% (8/618) para a rubéola, 1,3% (8/597) para a citomegalovirose, 0,9% (6/653) para a hepatite B, 3,7% (20/545) para a hepatite C e 3,8% (25/664) para a sífilis.
As características sociais, demográficas e clínicas maternas e neonatais estão apresentadas na Tabela 1. A média da idade materna foi de 28,4±6,2 anos para gestantes Gtp e de 29,5±6,1 para as gestantes Gtn. Foi relatado relacionamento conjugal estável na maioria dos casos em ambos os grupos de gestantes (62,7% das gestantes Gtp e 66,8% das gestantes Gtn). Em relação à escolaridade, a maioria das gestantes de ambos os grupos tinha até oito anos de estudo (53,1% das gestantes Gtp e 50,4% das gestantes Gtn).
Tabela 1.
Características maternas e neonatais da amostra da população de 704 gestantes com sorologia positiva para HIV
Características | Gtp* n (%) |
Gtn* n (%) |
Valor p# |
---|---|---|---|
Maternas | |||
Estado civil | 51 | 506 | |
Casada/ União estável | 32 (62,7) | 338 (66,8) | 0,3 |
Solteira/ Viúva/ Separada | 19 (37,3) | 168 (33,2) | |
Escolaridade | 64 | 575 | |
≥8 anos | 30 (46,9) | 285 (49,6) | 0,3 |
<8 anos | 34 (53,1) | 290 (50,4) | |
Momento do diagnóstico | 45 | 403 | |
Gestação prévia e/ou fora da gestação atual | 31 (68,9) | 261 (64,8) | 0,3 |
Gestação atual | 14 (31,1) | 142 (35,2) | |
Forma de transmissão | 61 | 528 | |
Transmissão vertical, hemotransfusão, compartilhamento de seringas/agulhas | 9 (14,8) | 67 (12,7) | 0,3 |
Sexual | 52 (85,2) | 461 (87,3) | |
Contagem de células TCD4+ | 27 | 202 | |
≥350 células/mm3 | 21 (77,8) | 160 (79,2) | 0,5 |
<350 células/mm3 | 6 (22,2) | 42 (20,8) | |
Carga viral | 27 | 204 | |
Indetectável | 19 (70,4) | 154 (75,5) | 0,3 |
Detectável | 8 (29,6) | 50 (24,5) | |
Uso de terapia antirretroviral | 68 | 629 | |
Sim | 68 (100) | 615 (97,8) | 0,2 |
Neonatais | |||
Transmissão vertical do HIV | 65 | 566 | |
Sim | 3 (4,6) | 7 (1,2) | 0,06 |
Prematuridade | 66 | 613 | |
Sim | 12 (18,2) | 99 (16,4) | 0,3 |
Baixo peso ao nascimento | 68 | 628 | |
Sim | 18 (26,5) | 126 (20,1) | 0,1 |
Complicações fetais | 60 | 572 | |
Sim | 19 (31,7) | 124 (21,7) | 0,06 |
Gtp: Grupo Torchs positivo; Gtn: Grupo Torchs negativo. *Houve perda de informação de algumas variáveis, e nem sempre se encontra o total de gestantes: Gtp (n=70); Gtn (n=634). #Teste ?2.
Entre as características clínicas relacionadas à infecção pelo HIV, o diagnóstico da infecção pelo vírus HIV foi realizado principalmente em gestação prévia e/ou fora do período da gestacional (68,9% das gestantes Gtp e 63,7% das gestantes Gtn), e a maioria foi infectada por via sexual (85,2% entre as gestantes Gtp e 87,5% entre as gestantes Gtn). Em ambos os grupos, a contagem de linfócitos TCD4+ igual ou superior a 350 células/mm3 foi predominante (77,8% entre as gestantes Gtp e 79,2% entre as gestantes Gtn) e a carga viral foi indetectável (70,4% entre as gestantes Gtp e 75,5% entre as gestantes Gtn). O uso de terapia antirretroviral durante a gestação predominou entre todas as gestantes (100% entre as gestantes Gtp e 97,8% entre as gestantes Gtn).
Considerando-se as variáveis neonatais, 4,6% dos filhos de gestantes Gtp e 1,2% dos filhos de gestantes Gtn foram contaminados verticamente pelo HIV. Foram considerados recém-nascidos prematuros 18,2% dos filhos de gestantes Gtp e 16,4% dos neonatos de gestantes Gtn. Apresentaram baixo peso 26,5% dos recém-nascidos de gestantes Gtp e 20,1% dos filhos de gestantes Gtn. Com relação às complicações neonatais, que incluíram desconforto respiratório, sepse, icterícia precoce e distúrbios metabólicos, foram observadas em 31,7% dos filhos de gestantes Gtp e em 21,7% dos filhos de gestantes Gtn. Houve relato de apenas um caso de aborto entre as gestantes Gtn.
As variáveis para a análise multivariada foram selecionadas a partir da Tabela 1, adotando-se como critério de seleção o valor de p<0,25. Foram selecionadas as seguintes variáveis: uso de terapia antirretroviral, transmissão vertical do HIV, baixo peso ao nascimento e complicações fetais. O modelo foi construído pelo método backward, em que todas as variáveis foram inseridas ao mesmo tempo no modelo e retirou-se uma a uma a menos significativa de acordo com valor p. Nenhuma das variáveis se manteve no modelo.
as infecções congênitas aumentam a morbimortalidade perinatal caso não sejam diagnosticadas e tratadas em tempo1. O rastreamento das infecções do grupo Torchs durante o pré-natal é importante, principalmente no grupo de gestantes HIV positivas, pois permite diagnóstico e tratamento precoces3. No entanto, a ausência de um consenso internacional a respeito de quais dessas infecções devem ser rastreadas limita a análise de seus efeitos sobre a mãe e o recém-nascido14. Este estudo justifica-se pela necessidade de se obter dados relevantes para o planejamento e a promoção de saúde perinatal entre gestantes HIV positivas, ao avaliar a prevalência para diferentes doenças infecciosas transmitidas verticalmente em amostra representativa de gestantes acompanhadas por serviço de referência.
Em nosso estudo, foram realizadas 704 testagens sorológicas, das quais 9,9% tinham alguma sorologia positiva para uma das Torchs. Segundo Travassos et al.1, dados epidemiológicos sobre a prevalência das Torchs em gestantes infectadas pelo HIV são escassos. Gonçalves et al.8 demonstraram altas prevalências de Torchs, exceto citomegalovirose, em uma amostra de 574 gestantes atendidas em centro de saúde de São Paulo, reforçando a importância do diagnóstico para a saúde das gestantes e seus neonatos.
A prevalência de toxoplasmose avaliada entre gestantes HIV positivas foi de 1,5%, taxa compatível com as demonstradas por outros estudos brasileiros realizados em gestantes HIV negativas, as quais variaram de 0,4 a 2,8%2 , 5 - 8. Em outro estudo brasileiro, a prevalência de toxoplasmose foi de 3,6% em gestantes HIV positivas e de 2,0% em gestantes HIV negativas15.
Já para a rubéola, a prevalência encontrada entre gestantes HIV positivas foi de 1,3%, taxa ligeiramente superior às demonstradas por outros estudos brasileiros realizados em gestantes HIV negativas, as quais variaram entre 0,03 e 1,2%2 , 5 , 6 , 8 .
No caso da citomegalovirose, a prevalência entre gestantes HIV positivas foi de 1,3%, taxa concordante com as encontradas por outros estudos brasileiros realizados em gestantes HIV negativas, as quais variaram de 0,05 a 2,5%2 , 6 , 9.
Em relação às hepatites, as taxas de prevalência pelos vírus da hepatite B e da hepatite C em gestantes infectadas pelo HIV foram de, respectivamente, 0,9 e 3,7%. Para a hepatite B, a taxa encontrada por este estudo foi compatível com as de estudos brasileiros realizados em gestantes HIV negativas, as quais variaram entre 0,3 e 1,8%2 , 5 , 8. No entanto, foi inferior em relação a um estudo brasileiro também realizado entre gestantes HIV positivas, o qual apresentou taxa de prevalência para a hepatite B de 3,2%1. Para a hepatite C, a taxa encontrada por este estudo foi superior às de estudos brasileiros realizados em gestantes HIV negativas, as quais variaram de 0,1 a 0,8%2 , 5 , 8, porém foi também inferior em relação ao estudo brasileiro realizado entre gestantes HIV positivas, o qual apresentou taxa de prevalência para a hepatite C de 8,1%1.
Para a sífilis, o presente estudo evidenciou prevalência entre gestantes HIV positivas de 3,8%, taxa superior às demonstradas por outros estudos brasileiros realizados em gestantes HIV negativas, as quais variaram de 0,5 a 1,2%2 , 5 , 6 , 12. Entretanto, estudo multicêntrico internacional publicado muito recentemente, envolvendo 1.664 gestantes HIV positivas, demonstrou taxa de 10% de infecção por sífilis16.
A transmissão vertical do HIV pode ocorrer durante a gestação, periparto e no pós-parto, por meio do aleitamento materno. No presente estudo, a taxa de transmissão vertical do vírus HIV foi de 4,6 e 1,2%, respectivamente, para filhos de gestantes Torchs positivo e negativo. Em razão da escassez de literatura associando a taxa de transmissão vertical à presença de Torchs, foi possível estabelecer comparação apenas com a taxa de transmissão vertical entre gestantes de uma forma geral, sem categorizá-las entre gestantes Torchs positivo ou negativo. Especificamente, nos casos de infecção materna por sífilis e HIV, estudos observacionais vêm mostrando que a concomitância das infecções aumenta o risco de transmissão vertical do vírus HIV por razões ainda não completamente esclarecidas16. Considerando-se uma taxa de transmissão vertical em torno de 8,2 e 2,0% em 2002 e 2013, respectivamente, para a região Sudeste do Brasil17, percebe-se que a taxa de transmissão vertical encontrada neste estudo foi aquém daquela prevista na literatura, o que pode ser explicado pela melhor adesão das gestantes às orientações pré-natais a respeito das medidas preventivas da transmissão vertical, como o uso de antirretrovirais durante a gestação e o não aleitamento materno após o nascimento.
Com relação à prematuridade, observou-se aumento no percentual de nascidos vivos prematuros em Belo Horizonte, passando de 5,8 para 9%18. Nas regiões Sudeste e Sul, a prevalência da prematuridade variou de 3,4 a 15%, considerando o período de 1978 a 200413. Como a prematuridade é um evento influenciado por vários fatores, existe na literatura um consenso de que os processos infecciosos sejam uma das causas de partos pré-termos. Entretanto, também é escassa a disponibilidade de estudos que individualizem as Torchs como causas principais da prematuridade, tendo em vista que muitos fatores são apontados como de risco para que este evento ocorra, e a individualização daqueles que realmente contribuem para o nascimento pré-termo pode ser estabelecida apenas indiretamente. Considerando uma taxa de recém-nascidos prematuros de 18,2% para filhos de gestantes Gtp e 16,4% para neonatos de gestantes Gtn, percebe-se uma taxa superior daquelas supracitadas para os dois grupos de recém-natos18 , 19.
Além disso, o estudo mostrou que 26,5% dos recém-nascidos filhos de gestantes Gtp apresentaram baixo peso, enquanto 20,1% dos neonatos provenientes de gestantes Gtn encontravam-se nessa condição. Considera-se como baixo peso todo feto com peso <2.500 g ao nascimento, sendo essa característica responsável por 40 a 70% dos óbitos neonatais20. De acordo com dados disponibilizados pela Unicef (The United Nations Children's Fund) 21, avaliando-se o período de 1999 a 2006, 15% das crianças nascidas no mundo seriam categorizadas como baixo peso, sendo que essa proporção variou entre 4,5 e 8% entre os países da União Europeia22. Em 2005, o Brasil apresentou uma proporção de 8,1%, e o estado de Minas Gerais de 9,7%23. Dessa forma, o percentual de fetos com baixo peso ao nascimento encontrado neste estudo superou significativamente a proporção de crianças baixo peso encontradas na literatura23 - 25. Entretanto, é válido ressaltar que a taxa de indicadores disponível não categoriza crianças com baixo peso ao nascimento filhas de mãe Torchs positivo ou negativo, disponibilizando taxas apenas em grupos generalizados de gestantes. Deve-se considerar que o baixo peso ao nascimento é uma variável influenciada por diversos fatores: padronização dos procedimentos efetuados para mensuração da criança logo após o nascimento; cobertura de registros referentes aos nascidos vivos e relação entre as variáveis peso ao nascer e idade gestacional, dentre outros. Todos esses fatores podem ter contribuído para aumentar a proporção de fetos baixo peso ao nascimento encontrada neste estudo, sendo impossível individualizá-los.
As complicações perinatais são eventos que ocorrem em decorrência de inúmeras influências, por exemplo, a prematuridade26. Especificamente no caso do desconforto respiratório - uma das complicações mais frequentes -, ele ainda pode ocorrer, dentre outros fatores, em razão de variáveis maternas27; a sepse neonatal, por sua vez, pode estar relacionada a outros tipos de infecção materna, não incluídas no grupo das Torchs. A hemólise neonatal e fatores de risco clínico e biológicos são apontados como possíveis fatores que podem levar à icterícia precoce28, bem como o diabetes gestacional poderia ser levantado como um dos fatores responsáveis por distúrbios metabólicos perinatais29. Diante dessa multifatorialidade que interfere e pode levar a complicações perinatais, compreende-se a escassez de literatura relacionando as infecções Torchs às complicações perinatais. Assim, as taxas de complicações neonatais encontradas neste estudo para o grupo de neonatos de gestantes Torchs positiva ou negativa (32,8 e 21,6%) não podem ser comparadas com outros estudos, uma vez que não há literatura disponível que individualize esse grupo de infecção como única causa de complicações neonatais.
Uma limitação deste estudo foi a reduzida amostra de gestantes HIV positivas com dados sorológicos disponíveis para análise. No entanto, é importante ressaltar que a coorte foi iniciada em 1998. A despeito do aumento da cobertura da triagem sorológica entre as gestantes com o passar dos anos, a utilização de dados obtidos na própria rotina pré-natal, a não existência de triagem sorológica para algumas infecções em determinado período e o início tardio de acompanhamento pré-natal levaram à perda de informações de algumas variáveis. O ponto forte deste estudo se relaciona ao número expressivo de gestantes HIV positivas da coorte, o que o torna adequado para as análises a que se objetiva, ainda mais quando se considera a escassez de informações na literatura.
A prevalência das Torchs encontrada no estudo mostrou-se elevada para algumas dessas infecções. O fato de não terem sido encontradas diferenças significantes entre os neonatos dos dois grupos pode ser atribuído à adesão de todas as gestantes às medidas preventivas estabelecidas durante o acompanhamento pré-natal, no parto e no puerpério imediato. Os nossos resultados permitem afirmar que é importante manter o rastreamento sorológico dessas doenças na gravidez, especialmente nas gestantes HIV positivas, para que se possa estabelecer diagnóstico e tratamento precoce, e/ou medidas preventivas para evitar a transmissão materno-fetal dessas infecções.